Esse cotidiano caracterizado como um
permanente canteiro de obras é embalado ora pelo contundente silêncio de um
trabalho solitário ora pelo ritmo de um assobio de sinfonia autoral. Uma trilha
sonora ecoa em sintonia com os ruídos peculiares à mão de obra: o tinir do
martelo, a água que murmureja, o suor que goteja, a areia que se ergue em fusão
com o vento e deixa seus rastros na pele, no chão e se une a outros elementos
protagonizando manhãs e tardes cheias de sinestesia. Tudo é conexão.
O
cotidiano é um permanente canteiro de obras porque a lida se faz constante,
minuciosa, necessária. E nesse intermédio, o construtor não se descuida do vai
e vem à sua volta. Por vezes, larga mão do labor, improvisa um apoio aos
braços, relaxa uma perna, respira fundo e se permite uma prosa fortuita com um
ou outro "amigo de calçada" acerca do inusitado resultado de uma
partida de futebol, dos (des)arranjos da política, das condições do tempo.
Prosa essa sempre finalizada com dizeres próprios de quem se diz já ter nascido
vascaíno. Vascaíno raiz.
A
mais importante obra edificada nesse permanente canteiro de obras consistiu
precisamente em estabelecer vínculos. O tempo foi o grande aliado justamente
porque a construção de laços exige uma progressiva sedimentação em cuidados,
perseverança e disposição, de maneira a alcançar o sentido para o qual foram
concebidos. O construtor disso intuía na sua potente simplicidade operária.
E,
por fim, foi nesse permanente canteiro de obras que, na manhã do dia 26 de maio
de 2023, o construtor de memórias pôs fim às tarefas e, nas horas seguintes,
nele, recebeu o adeus dos seus "amigos de calçada", numa
significativa revelação de que soubera realmente construir laços por meio de
prosas fortuitas e breves cumprimentos ao longo das horas, dos dias, dos meses
e de anos...
Agora,
no interior do já não permanente canteiro de obras, as memórias do construtor
se configuram materializadas, afetivamente, em benfeitorias indispensáveis ao
andamento do cotidiano que denuncia, sutil e continuadamente, sua ausência. E o
valor maior dessas memórias, para nossa família, é sabê-las produzidas por mãos
que primavam por deixar suas impressões, suas marcas de autoria, o que revela
toda a singularidade de cada toque, de cada traço. São memórias que cabem na
calçada, no canteiro e, sobretudo, no coração de quem soube olhar de perto e
devagar nos olhos do construtor...
#Vastí
#Demóstenes, Sonaly/Sophia, Benjamin e
Kalel
#Demétrius, Elisângela/Rebecca