segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

A estrada não percorrida (Robert Frost)


 

Duas estradas se bifurcavam num bosque amarelo,

E me ressenti não poder ambas percorrer

Sendo um só viajante, por muito me detive

E observei uma até quão longe pude

Até onde na vegetação ela se encurvava.


Então segui pela outra, tão boa quanto,

E talvez por ter melhor argumento,

Porque era gramada e ansiar uso;

Mesmo que os que por ela passaram

Desgastaram-na do mesmo modo.


E, naquela manhã, em ambas igualmente jaziam

Folhas que passo algum pisara.

Oh, eu deixei a primeira para outro dia!

Mesmo sabendo que caminho leva a caminho,

Duvidei se um dia conseguiria voltar.


Com um suspiro isto direi

Em algum ponto, há muito tempo distante

Duas estradas num bosque se bifurcavam, e eu

A menos percorrida trilhei,

E isso fez toda a diferença. 

segunda-feira, 22 de maio de 2023

Narrativas de mim: achados da pandemia

 

A escrita em mim

 

 

Aquele que tem por vício a leitura, droga alucinógena das mais leves,

acabará cada vez mais dependente dela.

E o pior, passará para drogas mais pesadas, como a escrita.

Nesta fase crítica, o leitor, agora escritor, tende a fugir regularmente da realidade

 e ter devaneios de que, assim como Deus, é criador de Universos inteiros.

 (Ecos de J. L. Maleski)

 

É a palavra escrita que me permite a interação com o mundo – é ela que registra, que protesta, que chora, que sorri e que traduz o que me incomoda, o que me entristece e também o que me causa contentamento. Põe-me em estado deliciosamente ilusório de que tenho controle sobre o que expresso.

A palavra escrita me permite ser comedida enquanto releio, (re)avalio, pondero e registro. Por outro lado, ela me cobra pela durabilidade do que está à vista dos olhares argutos, ainda que de forma relativa, dada a assustadora fluidez que caracteriza esses tempos de tanta liquidez. Há um preço pela permanência do impresso. Nessa hora, penso que ser loquaz com as palavras na oralidade tenha lá sua recompensa, já que o vento carrega o desnecessário, o inoportuno e, por vezes, até mesmo as pérolas.

Nesse processo de análise, percebo a magia que há nas palavras e me permito divagar pelos meandros das possibilidades existentes na escolha lexical, na apreciação dos efeitos das palavras, na sonoridade que o encadeamento delas pode produzir, sem me deixar engessar pelo rigor acadêmico. Pensando nisso, é no processo da escrita que tais possibilidades me acenam oferecendo cores e nuances diversificadas, às vezes nunca vistas em outras palavras grafadas.

Entretanto, nem por isso deixo de admirar, profundamente, quem consegue escolher as palavras e estabelecer conexões seguras, claras e belas agregadas à entonação perfeita em discursos sonoros, vibrantes e potentes.

Ainda assim, enche-me os olhos o bordado que a palavra escrita elabora ao dar conta dos pontos que se entrelaçam e inspiram novas conexões às vezes com o mesmo tom, às vezes com tons tão distintos. E é justamente isso que dá singularidade e encantamento ao que foi escrito.

A descoberta sobre ser a escrita o meu instrumento de comunicação com o mundo se deu em tempos idos, bem idos; quando escrevia diários e cartas, quando não cabiam mais em mim as palavras não ditas, as ideias só pensadas, as impressões sobre o mundo que me habitava. Depois de tanto tempo, o registro continua a ser feito, ainda que com mais leveza, menos sistematização, porém com mais clareza, sobretudo no tocante às reais necessidades que determinam as temáticas que ocupam espaço em mim e que compõem parte do meu universo.

Entusiasma-me, enfim, pensar no efeito produzido de quem busca, nas linhas, nas entrelinhas e para além das linhas, o caminho percorrido por quem executa esse ritual de compor o cenário tão multifacetado da escrita. Aprendi que somos, por excelência, narrativas de nós mesmos.

A seguir, registro imagético da Roda de Conversa, realizada no dia 28 de abril/2023, no Espaço de Eventos da Igreja Batista (Pau dos Ferros-RN).