Quem fosse tirado do seu quarto, quase sem
preparação ou transição, e posto nas alturas de uma grande montanha,
necessariamente sentiria algo semelhante: uma insegurança sem igual, um
abandono ao inominável quase o aniquilariam. Ele pensaria estar caindo ou sendo
arrastado pelos ares ou destroçado em mil pedaços. Seu cérebro precisaria
inventar uma mentira enorme para captar e esclarecer a situação de seus
sentidos. É assim que se modificam, para quem se torna solitário, todas as distâncias,
todas as medidas; dessas modificações, há muitas que ocorrem repentinamente. Como
para aquele homem no pico da montanha, surgem então imaginações inabituais e
sensações estranhas, que parecem ultrapassar a medida do que se pode suportar. No
entanto, é necessário que vivamos também isso.
Precisamos aceitar a nossa existência em todo o seu alcance; tudo, mesmo o
inaudito, tem de ser possível nela. No fundo é esta a única coragem que se
exige de nós: sermos corajosos diante do que é mais estranho, mais maravilhoso
e mais inexplicável entre tudo com que nos deparamos. O fato de os homens terem
sido covardes nesse sentido causou danos infinitos à vida: as experiências que
são chamadas de “fenômenos”, todo o suposto “mundo dos espíritos”, a morte,
todas essas coisas tão familiares para nós foram tão excluídas da vida, por
meio de uma atitude cotidiana defensiva, que os sentidos com os quais
poderíamos apreendê-las se atrofiaram. Sem falar em Deus. Mas o medo do
inexplicável não empobreceu apenas a existência individual, também as relações
entre as pessoas foram limitadas por ele, como que transferidas do leito de um
rio de infinitas possibilidades para um local ermo da margem, onde nada
acontece. Pois não é apenas a indolência que faz as relações humanas se repetirem
de modo tão monótono e sem renovação de caso a caso, é a timidez diante de
qualquer experiência nova, imprevista, para a qual não nos consideramos
amadurecidos.
Mas apenas quem está pronto para tudo, não exclui nada, nem mesmo
o mais enigmático, viverá a relação com uma outra pessoa como algo vivo e irá
até o fundo de sua própria existência. Pois, se pensamos a existência do
indivíduo como um cômodo de dimensões maiores ou menores, revela-se que a
maioria de nós só chega a conhecer um canto de seu quarto, um local perto da
janela, uma faixa na qual se anda para lá e para cá. Contudo, é muito mais
humana do que essa segurança aquela incerteza, cheia de perigos, que leva os
prisioneiros dos contos de Poe a tatearem as formas de seus cárceres
aterrorizantes e a não serem alheios aos horrores indizíveis de sua permanência
ali. E no entanto nós não somos prisioneiros. Não há armadilhas e emboscadas
armadas em torno de nós, nada que nos devesse angustiar ou perturbar.
Estamos lançados
na vida como no elemento ao qual correspondemos melhor, além disso nos
tornamos, por meio de uma adaptação de milhares de anos, tão semelhantes a essa
vida que, por um mimetismo afortunado, se nos mantivermos quietos, quase não
nos diferenciaremos daquilo que nos cerca. Não temos motivo algum para
desconfiar de nosso mundo, pois ele não está contra nós. Caso possua terrores,
são nossos terrores; caso surjam
abismos, esses abismos pertencem a nós; caso existam perigos, então precisamos
aprender a amá-los. Se orientarmos a nossa vida segundo aquele princípio que
nos aconselha a nos aferrarmos sempre ao que é difícil, o que agora nos parece
ser muito estranho se tornará o que há de mais familiar e confiável.
Como poderíamos
esquecer aqueles antigos mitos que se encontram nos primórdios de todos os
povos, os mitos sobre os dragões que, no último momento, transformam-se em
princesas; talvez todos os dragões de nossa vida sejam princesas, que só
esperam nos ver um dia belos e corajosos. Talvez todo terror não passe, em
última instância, do desamparo que requer nossa ajuda.
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