domingo, 14 de maio de 2017

De mãe (Conceição Evaristo)

O cuidado de minha poesia
Aprendi foi de mãe
mulher de pôr reparo nas coisas
e de assuntar a vida.


A brandura de minha fala
na violência de meus ditos
ganhei de mãe
mulher prenhe de dizeres
fecundados na boca do mundo.


Foi de mãe todo o meu tesouro
veio dela todo o meu ganho
mulher sapiência, yabá,
do fogo tirava água
do pranto criava consolo.


Foi de mãe esse meio riso
dado para esconder
alegria inteira
e essa fé desconfiada,
pois, quando se anda descalço
cada dedo olha a estrada.


Foi mãe que me descegou
para os cantos milagreiros da vida
apontando-me o fogo disfarçado
em cinzas e a agulha do
tempo movendo no palheiro.


Foi mãe que me fez sentir
as flores amassadas
debaixo das pedras
os corpos vazios
rente às calçadas
e me ensinou,
insisto, foi ela
a fazer da palavra
artifício
arte e ofício
do meu canto
de minha fala.

P.S.: A quem interessar saber quem é Conceição Evaristo: https://www.escrevendoofuturo.org.br/conteudo/noticias/educacao-e-cultura/artigo/2363/ocupacao-conceicao-evaristo

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