terça-feira, 17 de novembro de 2020

Quem sou eu? Ou Bodarrada: A POESIA LIBERTÁRIA DE LUIZ GAMA

 

Quem sou eu? Que importa quem?

Sou um trovador proscrito,

Que trago na fonte escrito

Esta palavra – Ninguém! –

A. E. Zaluar – Dores e Flores.


[...]

O que sou e como penso

Aqui vai com todo o senso,

Posto que já veja irados

Muitos lorpas enfunados,

Vomitando maldições

Contra as minhas reflexões.


Eu bem sei que sou qual Grilo

De maçante e mau estilo;

E que os homens poderosos

Desta arenga receosos,

Hão de chamar-me tarelo,

Bode, negro, Mongibelo;

Porém eu, que não me abalo,

Vou tangendo o meu badalo

Com repique impertinente,

Pondo a trote muita gente.


Se negro sou, ou sou bode,

Pouco importa. O que isto pode?

Bodes há de toda a casta,

Pois que a espécie é muito vasta...

Há cinzentos, há rajados,

Baios, pampas e malhados,

Bodes negros, bodes brancos,

E, sejamos todos francos,

Uns plebeus, e outros nobres,

Bodes ricos, bodes pobres,

Bodes sábios, importantes,

E também alguns tratantes...

Aqui, nesta boa terra,

Marram todos, tudo berra;

Nobres Condes e Duquesas,

Ricas Damas e Marquesas,

Deputados, senadores,

Gentis-homens, vereadores;

Belas Damas emproadas,

De nobreza empantufadas;

Repimpados principotes,

Orgulhosos fidalgotes,

Frades, Bispos, Cardeais,

Fanfarrões imperiais.


Gentes pobres, nobres gentes,

Em todos há meus parentes.

Entre a brava militança

Fulge e brilha alta bodança;

Guardas, Cabos, Furriéis,

Brigadeiros, Coronéis,

Destemidos Marechais,

Rutilantes Generais,

Capitães de mar e guerra,

– Tudo marra, tudo berra

Na suprema eternidade,

 Onde habita a Divindade,

Bodes há santificados,

Que por nós são adorados.


Entre o coro dos Anjinhos

Também há muitos bodinhos –

O amante de Siringa

Tinha pelo e má catinga;

O deu Mendes, pelas contas,

Na cabeça tinha pontas;

Jove quando foi menino,

Chupitou leite caprino;

E, segundo o antigo mito,

Também Fauno foi cabrito.


Nos domínios de Plutão,

Guarda um bode o Alcorão;

Nos lundus e nas modinhas

São cantadas as bodinhas;

Pois se todos têm rabicho,

Para que tanto capricho?

Haja paz, haja alegria,

Folgue e brinque a bodaria;

Cesse, pois, a matinada,

Porque tudo é bodarrada!

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