O Grande Inquisidor é um poema idealizado
pelo personagem Ivan Karamázov e desenvolvido em
forma de prosa no relato a seu irmão Aliócha, no romance de Dostoiévski Os Irmãos Karamazov (1879-1880). Trata-se de um
monólogo, situado na cidade de Sevilha à época da Inquisição Espanhola, no qual o Grande
Inquisidor, um velho Cardeal,
depara-se com Jesus Cristo, aparecido no período, e ordena a sua prisão
mesmo ciente de que se trata do Messias, questionando e condenando sua volta à
Terra e à morte na fogueira.
De tudo o que Dostoiévski escreveu em Os
Irmãos Karamázov o que mais me impressionou foi o incidente do Grande
Inquisidor. É assim: Jesus havia voltado à terra e andava incógnito entre as
pessoas. Todos o reconheciam e sentiam o seu poder, mas ninguém se atrevia a
pronunciar seu nome. Não era necessário. De longe, o Grande Inquisidor o
observa no meio da multidão e ordena que ele seja preso e trazido à sua
presença. Então, diante do prisioneiro silencioso, ele profere a sua acusação.
Não há nada mais sedutor aos olhos dos
homens do que a liberdade de consciência, mas também não há nada mais terrível.
Em lugar de pacificar a consciência humana, de uma vez por todas, mediante
sólidos princípios, Tu lhe ofereceste o que há de mais estranho, de mais
enigmático, de mais indeterminado, tudo o que ultrapassava as forças humanas: a
liberdade. Agiste, pois, como se não amasses os homens... Em vez de Te
apoderares da liberdade humana, Tu a multiplicaste, e assim fazendo,
envenenaste com tormentos a vida do homem, para toda a eternidade...
O Grande Inquisidor estava certo. Ele conhecia o coração dos homens. Os homens dizem amar a liberdade, mas, de posse dela, são tomados por um grande medo e fogem para abrigos seguros. A liberdade dá medo. Os homens são pássaros que amam o voo, mas têm medo dos abismos. Por isso abandonam o voo e se trancam em gaiolas.
Somos assim: sonhamos o voo, mas tememos a altura. Para voar é preciso ter coragem para enfrentar o terror do vazio. Porque é só no vazio que o voo acontece. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Mas é isso o que tememos: o não ter certezas. Por isso trocamos o voo por gaiolas. As gaiolas são o lugar onde as certezas moram.
É um engano pensar que os homens seriam livres se pudessem, que
eles não são livres porque um estranho os engaiolou, que eles voariam se as
portas estivessem abertas. A verdade é o oposto. Não há carcereiros. Os homens
preferem as gaiolas aos voos. São eles mesmos que constroem as gaiolas em que se
aprisionam...
Deus dá a nostalgia pelo voo. As religiões constroem gaiolas.
Os hereges são aqueles que odeiam as gaiolas e abrem as suas
portas para que o Pássaro Encantado voe livre. Esse pecado, abrir as portas das
gaiolas para que o Pássaro voe livre, não tem perdão. O seu destino é a
fogueira. Palavra do Grande Inquisidor.
Rubem Alves
Correio Popular
22/05/2005
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