quinta-feira, 19 de maio de 2011

Manifesto filosófico ( III )

1. Os elfos estão agora no conto, mas são aquilo para o que não há palavras. Seria o conto um verdadeiro conto se fosse capaz de ver a si mesmo? Causaria impacto a vida diária se estivesse constantemente se explicando a si mesma?
2. O elfos de açúcar estão a todo momento mais vivos do que bem-comportados, mais fantásticos do que confiáveis, mais misteriosos do que são capazes de entender com sua pouca razão. Como besouros enjoados zumbem de flor em flor numa sonolenta tarde de agosto, os elfos de açúcar da temporada se aferram a seus habitats urbanos no espaço celeste. Só o Curinga se libertou.
3. Os elfos apontam seus radiotelescópios para distantes nebulosas na periferia do conto introvertido. Mas o fantástico não se deixa entender de dentro, e os elfos são a parte de dentro. Os elfos vivem em seu próprio mundo. Estão encapsulados pelo campo gravitacional ontológico desse enigma.  São o que há, e para isso não existe compreensão, somente extensão.
4. A uma altura de quarenta mil pés estão sentados comodamente os primos distantes do peixe, olhando para as luzes das casas de Hansel e Gretel. Ainda que a luz se fosse, continuariam andando ali embaixo na penumbra. Ainda que se apagassem todas as lâmpadas, subiria uma aura do solo.
5. Inicia-se a manhã em Elfolândia, e ainda está bastante escuro, embora cem mil luzes interiores ardam em fogo baixo antes de se acenderem as lâmpadas elétricas. Os elfos de açúcar começaram a se retorcer para sair de seus sonhos fleumáticos, mas as células de seu cérebro continuam projetando filmes umas para as outras. O filme está sentado na sala vendo a si mesmo na tela.
6. Os elfos tentam pensar alguns pensamentos tão difíceis de pensar que não são capazes de pensá-los. Mas não conseguem. As imagens da tela de cinema não saltam para a sala de cinema para atacar o projetor. Só o Curinga acha seu caminho entre as filas de cadeiras.
7. Os elfos representam seus papéis hiperimprovisados no teatro mágico da civilização. Cada um deles se identifica tanto com o papel que o espetáculo nunca tem público. Não há alheios, não há olhares recostados. Só o Curinga dá um passo para trás.
8. Mamãe Elfo está diante do espelho contemplando os cabelos louros que caem sobre seus ombros delicados. Acha que é o primata mais maravilhoso do mundo. Pelo chão engatinham os nenéns elfos com as mãos cheias de pequenas peças de plástico de cores vivas. Papai Elfo está refestelado no sofá com a cabeça escondida sob um jornal cor-de-rosa. Acha que a vida diária é sólida.
9. Éons depois de o sol se transformar numa gigante vermelha, ainda se pode perceber alguns sinais de rádio dispersos na nebulosa. Pôs a camisa, Antonio? Vem já com a mamãe! Faltam só quatro semanas para o Natal.
10. Na escuridão dos ventres avultados nadam a todo instante vários milhões de casulos de uma flamante consciência do mundo. Desvalidos elfos de açúcar saem por pressão um a um, quando estão maduros e capazes de respirar. Ainda não podem tomar outro alimento senão um adocicado leite de elfo que sai jorrando de um par de suaves botões de carne de elfo.
11. O guri de açúcar vestindo um macacão azul está para comê-lo. Mamãe Elfo o vê balançar num pedaço de pau preso a um par de grossas cordas que pendem de um galho da grande pereira. Assim ela pode fazer as contas das centelhas vespertinas do grande fogo milagroso. Controla tudo o que há no pequeno jardim, mas não vê a bengala que interrelaciona todos os jardins.
12. A Dama de Copas é sua própria flor. Quando quer decorar o salão ou se encontrar com seu amado, colhe a si mesma. Decerto, toda uma mostra de habilidade, sabe que é uma espécie rara. As tulipas estão loucas de vontade de fazer a mesma coisa. As margaridas olham com inveja para ela. Os lírios fazem profunda reverência.
13. Ao morrer, como quando a cena está fixada no rolo do filme e os cenários foram derrubados e queimados, somos fantasmas na lembrança que nossos descendentes guardam de nós. Então somos fantasmas, querido, somos mito. Mas ainda estamos juntos, ainda somos um passado comum, um passado distante, é o que somos. Debaixo de um relógio de passado mítico ainda ouço a sua voz.

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