terça-feira, 22 de novembro de 2011

Pelas veredas da memória

Miriam Sutter revisita velhas palavras...

Legere é colher; mas o que significava este ato para os antigos? A colheita, nas civilizações arcaicas europeias, era um ato sagrado, por dele depender a sobrevivência do grupo ao longo do rigoroso inverno, em que a Mãe-Terra se torna estéril e anciã, coberta com seu manto branco. Na época da colheita, os latinos festejavam, em rituais propiciatórios de fecundidade, a loura Ceres e sua filha Prosérpina; e os gregos, a prolífera Deméter e sua filha Core-Perséfone. Estes mitos, em que o latino provém do sincretismo com o grego, recontam e recriam em linguagem imagística ou metafórica o eterno ciclo da natureza, no qual morte e renascimento compõem o ritmo cósmico da vida.
Diz o mito que Deméter, a grande deusa mãe da terra cultivada, unira-se ao deus supremo do Olimpo, Zeus. Dessa união nasceu uma linda menina, Core, a jovem. Deméter nunca mais teve outro relacionamento, dedicando-se exclusivamente à sua função materna, o que a enchia de felicidade e prazer. Mas, um dia, a jovem Core, quando estava em um verdejante prado a colher flores, em companhia de suas aias, repentinamente desapareceu, como se tragada pela terra. Ela havia se distanciado do grupo para colher uma for de rara beleza, que florescia à beira de um abismo - o narciso. Deméter, ao saber do sucedido, entrou em desespero e iniciou a atormentada busca da filha. Em tal estado de ânimo, descuidou-se de suas funções e, como resultado, a terra e todos os seres tornaram-se estéreis. Finalmente, após muitas peregrinações, recebeu a notícia de que Plutão, o deus do mundo subterrâneo havia raptado a jovem Core, para torná-la sua esposa. Assim agira com o consentimento de seu irmão Zeus, pai de Core, pelo fato de nenhuma deusa ou mortal querer voluntariamente viver no mundo das sombras, no Hades. Deméter então ameaça Zeus com a extinção de toda a humanidade pela fome e esterilidade. O chefe supremo do Olimpo só teve como única alternativa: falar com Plutão para que este devolvesse a jovem. Core, no entanto, havia comido bagos de romã, fruto dos jardins do Hades, não podendo mais retornar ao mundo da luz. Deméter, enfurecida, intensificou suas ameaças e, por fim, chegaram a um acordo. Sua filha passaria a metade do ano em sua companhia e a outra metade com o esposo, no mundo dos mortos, quando então era chamada Perséfone.
Esta belíssima imagem do outono/inverno, traduzida pela estada de Core no mundo subterrâneo, sob o nome Perséfone, e da primavera/verão, representada por sua volta a Deméter e sua permanência no mundo dos vivos, bem ilustra a importância que tinha a agricultura para estes povos.
Para os homens dos tempos míticos a colheita significava o alimento sagrado. Colhia-se para armazenar o produto, a fim de assegurar a sobrevivência no inverno. Um ato tão importante era com justiça revestido de sacralidade, pois a vida era a dádiva mais preciosa que os homens de então recebiam da grande deusa DE (terra) METER (mãe).

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