sábado, 3 de março de 2012

A arte de pregar

Um dos principais sermões do Padre Antônio Vieira é o Sermão da sexagésima, também conhecido como A palavra de Deus. Polêmico, esse sermão resume a arte de pregar. No introito, Vieira propõe-se a analisar de quem era a culpa por não frutificar Sua palavra:
"[...] Ora, suposto que a conversão das almas por meio da pregação depende destes três concursos: de Deus, do pregador e do ouvinte, por qual deles devemos entender a falta? Por parte do ouvinte, ou por parte do pregador, ou por parte de Deus?" Na sua argumentação:
Será porventura o estilo que hoje se usa nos púlpitos? Um estilo tão dificultoso, um estilo tão afetado, um estilo tão encontrado a toda a arte e a toda natureza? Boa razão é também esta. O estilo há de ser muito fácil e muito natural. Por isso, Cristo comparou o pregar ao semear. Compara Cristo o pregar ao semear, porque o semear é uma arte que tem mais de natureza que da arte.
Já que falo contra os estilos modernos, quero alegar por mim o estilo do mais antigo pregador que houve no Mundo. E qual foi ele? O mais antigo pregador que houve no Mundo foi o Céu. Suposto que o Céu é pregador, deve ter sermões e deve ter palavras. E quais são estes sermões e estas palavras do Céu?
- As palavras são as estrelas, os sermões são a composição, a ordem, a harmonia e o curso delas. O pregar há de ser como quem semeia, e não como quem ladrilha ou azuleja. Não fez Deus o céu em xadrez de estrelas, como os pregadores fazem o sermão em xadrez de palavras. Se de uma parte está branco, de outra há de estar negro; se de uma parte está dia, de outra há de estar noite? Se de uma parte dizem luz, da outra hão de dizer sombra; se de uma parte dizem desceu, da outra hão de dizer subiu. Basta que não havemos de ver num sermão duas palavras em paz? Todas hão de estar sempre em fronteira com o seu contrário? [...]
Mas dir-me-eis: Padre, os pregadores de hoje não pregam o Evangelho, não pregam das Sagradas Escrituras? Pois como não pregam a palavra de Deus? - Esse é o mal. Pregam palavras de Deus, mas não pregam a Palavra de Deus.
Acerca do seu trabalho, disse Vieira: "...é necessário trabalhar com os dedos, escrevendo, apontando, e interpretando por acenos o que não se pode alcançar das palavras; é necessário trabalhar com a língua, dobrando-a, e torcendo-a,e dando-lhe mil voltas para que chegue a pronunciar os acentos tão duros e tão estranhos..."
Por suas posições, principalmente a defesa dos cristãos-novos, Vieira acabou condenado pela Inquisição, tendo ficado preso de 1665 a 1667. Faleceu em 1697, no Colégio da Bahia.

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