domingo, 18 de março de 2012

Filosofia do envelhecimento: a dialética dos contrários

[...]pois estavas dominado pelo medo pueril de que um vento qualquer possa soprar sobre a alma no momento de sua saída do corpo para despertá-la,  sobretudo quando, por pura coincidência, há uma brisa forte no instante de morrermos. Sócrates (Platão): fragmento do diálogo de Fédon.

A filosofia percebe o envelhecimento humano dentro do paradoxo dos contrários: parece uma cabeça ligada a um corpo duplo! Platão, no diálogo sobre a morte de Sócrates (470-399 a.C.), através da juventude de Fédon, seu discípulo, mostra-nos que existe uma absoluta necessidade de viver, necessidade invariável mesmo para aqueles para os quais a morte seria preferível à vida. A juventude e a velhice coexistem num espaço de corpo e de alma desde o nosso nascimento. Quando a libertação do pensamento atinge a verdade que deseja investigar, com a ajuda do corpo, sobre a questão do mais novo e do mais velho, esta liberdade consiste no ato de raciocinar e de apreender a realização de um ser sempre a devir. Eis, pois, o que devemos examinar em todos os casos em que existe um contrário – juventude e envelhecimento. Um não nasce sem que o seu próprio contrário com ele habite e, quando uma coisa se torna maior, não é necessário que tenha sido menor para em seguida tornar-se maior. Sócrates citaria: “Ignoras tu que os amantes, à vista de uma lira, de uma vestimenta ou de um qualquer outro objeto que seus amados habitantes se servem, rememoram a própria imagem do amado a quem este objeto pertencia?” Portanto, se prestarmos atenção com transcendência a esta metáfora de citação de imagem, seremos remetidos a dois corpos que são Um, em um mesmo pensamento: juventude e velhice.
    “Logo, a igualdade dessas coisas não é o mesmo que o igual em si?” É necessário que tenhamos anteriormente conhecido o igual, mesmo antes do tempo, em que a visão das coisas iguais nos dê o pensamento de que todos eles aspiram a ser: “Tal qual igual em si”. Então, antes de nascer conhecíamos não apenas o Igual, como o Maior, o Menor e tudo o que é da mesma espécie. E, também, o envelhecimento humano é o belo em si mesmo, como o jovem em si mesmo e tudo o mais que a validade em si mesma contenha de saber eterno. Na reminiscência de Sócrates, o “instruir-se”, que consiste em rever um conhecimento que já nos pertencia, remete-nos à tarefa muito difícil de encontrar os dois corpos dentro de nós, ou dentro do “eu”. Essas coisas compostas, que mudam e não mudam e formam a nossa identidade, através do visível e do invisível, sempre em mutação na linha do tempo e da nossa temporalidade, têm de ser liberadas como um começo e um fim que se unem num só destino de alma. 
Izabel Bellini Zielinsky  -  Filósofa e poeta
Na filosofia do envelhecimento esse estado de alma acompanha a transcendência do ser que não finda, mas, como um “eterno retorno”, impulsiona-se para um futuro de humanidade. Dentro de uma concepção atual de manifestação do ser, teríamos um sobrevoo de “super-homem”, onde a juventude e a velhice coexistiriam com o mesmo propósito das coisas pequeníssimas e grandíssimas e onde, nos prós e contras, a sabedoria existiria como uma mistura do superior com o inferior, jamais permanecendo estável em seu lugar. Nenhuma outra coisa, a princípio, deseja tornar-se o seu contrário – o “contrário em si”. Porém, é este contrário que se forma dentro do objeto contrário, e o contrário da vida pode ser a morte, e o contrário do harmônico é o desarmônico, e o contrário da juventude é a velhice. Então, segundo Sócrates, os contrários tornam-se um só num diálogo em que nunca desaparecerão.
A juventude e a morte assumem seu pleno sentido e toda uma trajetória de vida torna-se orientada pela reflexão, pela razão e pelo amor à sabedoria. A procura da verdade, desde o corpo como um “bem maior”, acompanha o envelhecimento como uma recuperação da juventude, onde os fragmentos selecionados como parte de uma vida demonstram a convicção filosófica de um poder de sabedoria a ser passado num cenário onde ele acontece. Neste diálogo de tese, síntese e antítese, a genética demonstra-nos que a linha do tempo não é tão reta assim, podendo levantar-se e mover-se para todos os lados, envolvendo o “ser aí”. Desvendar as coisas do mundo, dentro da própria filosofia, reporta-nos a beber em velhas fontes e a trazer para o presente o retido em si, desde onde emerge nossa linha do tempo – passado e presente –, ecoando dentro de um mesmo corpo.
Pelo conceito ocidental, esse duplo sentido de corpo muitas vezes é separado do Um, deixando um lugar vazio dentro de um espaço que existe para ser habitado. Esta falta de manifestação excluída leva-nos a manifestações de falsas interpretações acerca de tempo na nossa linha do tempo. Falta-nos aí a reflexão de conseguir enxergar além e nos fazer entender a necessidade da existência com a não existência. O fim e o início, os segundos e o nada, os opostos e os contrários falam à natureza humana em sua mais alta voz, habitando o corpo com o paradoxo da juventude e da velhice, como um só sobrevoo de metáfora viva.
Esse Cravo, com o qual somos pregados nesse pano de fundo, onde tudo se coloca em harmonia, onde tudo volta à essência e a uma liberdade de voo em um estado de alma, esse Cravo de verbo, que acompanha o nosso envelhecimento, se solta quando sopra a brisa do voltar a ser a humanidade.

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