domingo, 24 de junho de 2012

Oficialmente velho



Neste mês de dezembro completo 70 anos: diz Leonardo Boff.
Pelas condições brasileiras, me torno oficialmente velho. Isso não significa que estou próximo da morte, porque esta pode ocorrer já no primeiro momento da vida.
Mas é uma outra etapa da vida, a derradeira.
Esta possui uma dimensão biológica, pois irrefreavelmente o capital vital se esgota, nos debilitamos, perdemos o vigor dos sentidos e nos despedimos lentamente de todas as coisas.
De fato, ficamos mais esquecidos, quem sabe, impacientes e sensíveis a gestos de bondade que os levam facilmente às lágrimas.
Mas há um outro lado, mais instigante.
A velhice é a última etapa do crescimento humano.

Nós nascemos inteiros. Mas nunca estamos prontos. Temos que completar nosso nascimento ao construir a existência, ao abrir caminhos, ao superar dificuldades e ao moldar o nosso destino.
Estamos sempre em gênese. Começamos a nascer e, vamos nascendo em prestações ao longo da vida até acabar de nascer; quando então entramos no silêncio e morremos.
A velhice é a última chance que a vida nos oferece para acabar de crescer, madurar e finalmente terminar de nascer.

Neste contexto, é iluminadora a palavra de São Paulo: "NA MEDIDA EM QUE DEFINHA O HOMEM EXTERIOR, NESTA MESMA MEDIDA REJUVENESCE O HOMEM INTERIOR" (2Cor 4,16).
A velhice é uma exigência do homem interior.
Muitas vezes perguntamos: Que é o homem interior?
O homem interior é o nosso eu profundo, o nosso modo singular de ser e de agir, a nossa marca registrada, a nossa identidade mais radical.  Identidade esta que devemos encará-la face a face.
Ela é pessoalíssima e se esconde atrás de muitas máscaras que a vida nos impõe.

Pois a vida é um teatro no qual desempenhamos muitos papéis:
Eu, por exemplo, fui franciscano, padre, agora leigo, teólogo, filósofo, professor, conferencista, escritor, editor, redator de algumas revistas, (inquirido pelas autoridades doutrinais do Vaticano), submetido ao "silêncio obsequioso" e outros papéis mais. Mas há um momento em que tudo isso é relativizado e vira pura palha. Quando então deixamos o palco, tiramos as máscaras e nos perguntamos:
Afinal, quem sou eu?
Que sonhos me movem?
Que anjos me habitam?
Que demônios me atormentam?
Qual é o meu lugar no desígnio do Mistério?

Na medida em que tentamos, com temor e tremor, responder a estas indagações vem a lume o homem interior e a resposta nunca é conclusiva; perde-se para dentro do Inefável.
Este é o verdadeiro desafio para a etapa da velhice.
Então nos damos conta de que precisaríamos muitos anos de velhice para encontrar a palavra essencial que nos defina.
Surpresos, descobrimos que não vivemos porque simplesmente não morremos, mas vivemos para pensar, meditar, rasgar novos horizontes e criar sentidos de vida.
Especialmente para tentar fazer uma síntese final, integrando as sombras, realimentando os sonhos que nos sustentaram por toda uma vida, reconciliando-nos com os fracassos e buscando sabedoria.

É ilusão pensar que esta sabedoria vem com a velhice. Ela vem do espírito com o qual vivenciamos a velhice como a etapa final do crescimento e de nosso verdadeiro Natal.
Por fim, o que importa é preparar o grande Encontro.
A vida não é estruturada para terminar na morte, mas para se transfigurar através da morte.
Morremos para viver mais e melhor, para mergulhar na eternidade e encontrar a Última Realidade, feita de amor e de misericórdia.
Aí saberemos finalmente quem somos e qual é o nosso verdadeiro nome.
Nutro o mesmo sentimento que o sábio do Antigo Testamento: "contemplo os dias passados e tenho os olhos voltados para a eternidade".

Por fim, este jovem ancião alimenta dois sonhos: o primeiro é escrever um livro só para Deus, se possível com o próprio sangue; e o segundo, impossível, mas bem expresso por Herzer, menina de rua e poetisa: "eu só queria nascer de novo, para me ensinar a viver". Mas como isso é irrealizável, só me resta aprender na escola de Deus.
Parafraseando Camões, completo: Mais vivera se não fora, para tão longo ideal, tão curta a vida.

Um comentário:

  1. Após uma leitura dessa natureza, minha alma se engrandece, meu espírito fica exultante e me sinto privilegiada em absorver algo tão maravilhoso.

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