Saber ouvir é decididamente muito importante haja vista o conhecimento
acumulado quando predispostos a aprendermos mediante a consciência de nossas
limitações. Quando nos propomos à análise do que somos e do que nos cerca,
deparamo-nos com a máxima socrática: nada sabemos. Esse estado de consciência
ocorre quando não nos “acostumamos” ao mundo em que vivemos e, por isso,
fazemos muitas indagações. Há muito a entender.
Às vezes, essa curiosidade que nos conduz à reflexão, à busca de
respostas incomoda àqueles que nos cercam. Somos, portanto, rotulados de esquisitos, diferentes... Vêm à minha
memória, agora, as “trevas da caverna” – de Platão – alegoria em que o filósofo
narra a história de algumas criaturas que viviam isoladas da humanidade,
acorrentadas e permanentemente de costas para a entrada da caverna. Tais
pessoas somente viam as sombras dos que passavam, projetadas na parede à sua
frente pelo fogo. Seu mundo se resumia a isso.
Um dia, uma delas conseguiu se libertar e saiu para o mundo que havia lá
fora. Demorou um pouco para se acostumar com a claridade, porém ficou
maravilhada ao ver as flores, os animais, as cores, as luzes, as pessoas...
Precisava, portanto, voltar e contar aos seus companheiros o que havia lá fora.
Estes, no entanto, não acreditaram nele e mataram-no. Acreditavam somente no
que viam.
Platão – discípulo de Sócrates – ilustrou a trajetória do seu mestre. Este
foi obrigado a ingerir cicuta porque ousou sair das sombras. Atenas foi
comparada a um animal adormecido – uma égua gorda e preguiçosa – cuja ilharga é
picada por um mosquito a lembrar-lhe que ainda está viva. Só que o mosquito
geralmente é esmagado. Devemos, então, nos acostumar com a ideia de que “a vida
é assim mesmo?”
Mergulhada em minhas leituras, li a seguinte proposição: imagine que há
um grande mágico que faz truques bem simples como usar sua cartola, seus lenços
brancos... Ele tira da cartola um imenso coelho branco cujos pelos abrigam
muitos seres pequeninos. Grande parte dessas criaturas vive confortavelmente e
em segurança na base dos pelos, entretanto, há aqueles que se atrevem a encarar
a subida para olhar nos olhos do grande mágico. São pessoas para quem o mundo
ainda surpreende, pessoas que buscam uma vida instigante a despeito dos
reveses.
Esta é realmente uma metáfora interessante para nossa vida. Ultrapassar
fronteiras é arriscado, todavia, permanecer no marasmo pode ser ainda mais assustador.
Conheci também a história de um jovem que, aos vinte anos, queria mudar
o mundo; quando completou quarenta anos, chegou à conclusão de que se
conseguisse mudar a comunidade em que vivia seria uma realização de bom
tamanho; chegando aos oitenta anos, percebeu que era ele quem necessitava de
mudança. Mas será que as pessoas mudam ou será que elas melhoram ou pioram
naquilo que elas já são?
Tais reflexões nos levam a pensar naqueles que ficam alardeando
sabedoria aos quatro ventos. Podemos compará-los aos sofistas; mas o que nós
sabemos mesmo, afinal? Acredito no conhecimento construído e não na imposição
de ideias. E o diálogo é a chave disso, pois uma pergunta pode suscitar uma
série de revelações que poderão ser aceitas ou contestadas.
Seres iluminados têm passado pela Terra. Temos uma gama de informações
do que eles disseram e/ou fizeram, embora alguns não tenham feito registro do
próprio punho, como Sócrates e Jesus de Nazaré. Muitos dos seus ensinamentos
têm ultrapassado o limiar dos séculos e servem de base para fundamentar
correntes filosóficas diversas. Isto quer dizer que a filosofia está sempre
presente, que há sempre os filósofos, mesmo que também haja os sofistas.
Costuma-se dizer que em tudo há pontos positivos e negativos. Será? Bem,
o que eu quero dizer é que quando começo a pensar, a questionar o que nos
cerca, sinto um certo desconforto porque certos aspectos do cotidiano começam a
me parecer insignificantes, pequenos demais ocasionando transtornos de ordem
prática. Isso seria um ponto negativo da reflexão ou exatamente o contrário, a
demonstração de que, volta e meia, precisamos nos desligar desse ciclo vicioso
que é o labutar diário. Bem, “a paisagem depende do ponto de vista” – assim
afirmou o Bruxo do Cosme Velho.
O mundo das ideias é fascinante, e quando tomamos como meta a análise,
conseguimos, de certa forma, enxergar a realidade entendendo o porquê das
coisas, afugentando a prática de nos acostumarmos com o mundo. Aprendi que
quando atravessamos uma crise, o que mais nos assusta é, muitas vezes, não
conhecermos a sua extensão, mas logo que conseguimos dimensioná-la, passamos a
nos sentir mais seguros, visto que o desconhecido nos deixa inseguros,
medrosos. Acho que aprendi isso com um filósofo da sociedade e dos nossos dias.
Felizmente existem aqueles que vivem filosoficamente, que não se deixam levar
no roldão da mesmice, que ousam sair da caverna ou da base dos pelos do coelho
para enxergar a vida.
Alguma coisa dentro de nós faz-nos sentir a necessidade de alçar voos
maiores. Segundo Leonardo Boff, é a nossa dimensão águia ansiando por
libertar-se, fazendo contraponto à nossa dimensão galinha que caracteriza o
nosso enraizamento, a nossa estrutura prática e cotidiana.
Os reveses constantemente põem à prova a nossa resistência – física e
psicológica – o que nos deixa realmente extenuados. Esse efeito nos remete a
voos que nos possibilitam descobertas, iluminação e, sobretudo, consciência de homo mediocritas que ainda conservamos.
Quando voltamos à condição primeira, sentimo-nos como que reenergizados,
podendo assim dar continuidade à marcha.
Se não dispomos de recursos eficazes para que os reveses sejam driblados, o pensar filosófico oportuniza minimizá-los oferecendo-nos, assim, a sobriedade, a lucidez que ansiamos em tais momentos.
Se não dispomos de recursos eficazes para que os reveses sejam driblados, o pensar filosófico oportuniza minimizá-los oferecendo-nos, assim, a sobriedade, a lucidez que ansiamos em tais momentos.
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