domingo, 30 de março de 2014

Vivendo filosoficamente



Saber ouvir é decididamente muito importante haja vista o conhecimento acumulado quando predispostos a aprendermos mediante a consciência de nossas limitações. Quando nos propomos à análise do que somos e do que nos cerca, deparamo-nos com a máxima socrática: nada sabemos. Esse estado de consciência ocorre quando não nos “acostumamos” ao mundo em que vivemos e, por isso, fazemos muitas indagações. Há muito a entender.
Às vezes, essa curiosidade que nos conduz à reflexão, à busca de respostas incomoda àqueles que nos cercam. Somos, portanto, rotulados de esquisitos, diferentes... Vêm à minha memória, agora, as “trevas da caverna” – de Platão – alegoria em que o filósofo narra a história de algumas criaturas que viviam isoladas da humanidade, acorrentadas e permanentemente de costas para a entrada da caverna. Tais pessoas somente viam as sombras dos que passavam, projetadas na parede à sua frente pelo fogo. Seu mundo se resumia a isso.
Um dia, uma delas conseguiu se libertar e saiu para o mundo que havia lá fora. Demorou um pouco para se acostumar com a claridade, porém ficou maravilhada ao ver as flores, os animais, as cores, as luzes, as pessoas... Precisava, portanto, voltar e contar aos seus companheiros o que havia lá fora. Estes, no entanto, não acreditaram nele e mataram-no. Acreditavam somente no que viam.
Platão – discípulo de Sócrates – ilustrou a trajetória do seu mestre. Este foi obrigado a ingerir cicuta porque ousou sair das sombras. Atenas foi comparada a um animal adormecido – uma égua gorda e preguiçosa – cuja ilharga é picada por um mosquito a lembrar-lhe que ainda está viva. Só que o mosquito geralmente é esmagado. Devemos, então, nos acostumar com a ideia de que “a vida é assim mesmo?”
Mergulhada em minhas leituras, li a seguinte proposição: imagine que há um grande mágico que faz truques bem simples como usar sua cartola, seus lenços brancos... Ele tira da cartola um imenso coelho branco cujos pelos abrigam muitos seres pequeninos. Grande parte dessas criaturas vive confortavelmente e em segurança na base dos pelos, entretanto, há aqueles que se atrevem a encarar a subida para olhar nos olhos do grande mágico. São pessoas para quem o mundo ainda surpreende, pessoas que buscam uma vida instigante a despeito dos reveses.
Esta é realmente uma metáfora interessante para nossa vida. Ultrapassar fronteiras é arriscado, todavia, permanecer no marasmo pode ser ainda mais assustador.
Conheci também a história de um jovem que, aos vinte anos, queria mudar o mundo; quando completou quarenta anos, chegou à conclusão de que se conseguisse mudar a comunidade em que vivia seria uma realização de bom tamanho; chegando aos oitenta anos, percebeu que era ele quem necessitava de mudança. Mas será que as pessoas mudam ou será que elas melhoram ou pioram naquilo que elas já são?
Tais reflexões nos levam a pensar naqueles que ficam alardeando sabedoria aos quatro ventos. Podemos compará-los aos sofistas; mas o que nós sabemos mesmo, afinal? Acredito no conhecimento construído e não na imposição de ideias. E o diálogo é a chave disso, pois uma pergunta pode suscitar uma série de revelações que poderão ser aceitas ou contestadas.
Seres iluminados têm passado pela Terra. Temos uma gama de informações do que eles disseram e/ou fizeram, embora alguns não tenham feito registro do próprio punho, como Sócrates e Jesus de Nazaré. Muitos dos seus ensinamentos têm ultrapassado o limiar dos séculos e servem de base para fundamentar correntes filosóficas diversas. Isto quer dizer que a filosofia está sempre presente, que há sempre os filósofos, mesmo que também haja os sofistas.
Costuma-se dizer que em tudo há pontos positivos e negativos. Será? Bem, o que eu quero dizer é que quando começo a pensar, a questionar o que nos cerca, sinto um certo desconforto porque certos aspectos do cotidiano começam a me parecer insignificantes, pequenos demais ocasionando transtornos de ordem prática. Isso seria um ponto negativo da reflexão ou exatamente o contrário, a demonstração de que, volta e meia, precisamos nos desligar desse ciclo vicioso que é o labutar diário. Bem, “a paisagem depende do ponto de vista” – assim afirmou o Bruxo do Cosme Velho.
O mundo das ideias é fascinante, e quando tomamos como meta a análise, conseguimos, de certa forma, enxergar a realidade entendendo o porquê das coisas, afugentando a prática de nos acostumarmos com o mundo. Aprendi que quando atravessamos uma crise, o que mais nos assusta é, muitas vezes, não conhecermos a sua extensão, mas logo que conseguimos dimensioná-la, passamos a nos sentir mais seguros, visto que o desconhecido nos deixa inseguros, medrosos. Acho que aprendi isso com um filósofo da sociedade e dos nossos dias. Felizmente existem aqueles que vivem filosoficamente, que não se deixam levar no roldão da mesmice, que ousam sair da caverna ou da base dos pelos do coelho para enxergar a vida.
Alguma coisa dentro de nós faz-nos sentir a necessidade de alçar voos maiores. Segundo Leonardo Boff, é a nossa dimensão águia ansiando por libertar-se, fazendo contraponto à nossa dimensão galinha que caracteriza o nosso enraizamento, a nossa estrutura prática e cotidiana.
Os reveses constantemente põem à prova a nossa resistência – física e psicológica – o que nos deixa realmente extenuados. Esse efeito nos remete a voos que nos possibilitam descobertas, iluminação e, sobretudo, consciência de homo mediocritas que ainda conservamos. Quando voltamos à condição primeira, sentimo-nos como que reenergizados, podendo assim dar continuidade à marcha.
Se não dispomos de recursos eficazes para que os reveses sejam driblados, o pensar filosófico oportuniza minimizá-los oferecendo-nos, assim, a sobriedade, a lucidez que ansiamos em tais momentos.

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