A chuva fina e
persistente é o cenário para os pensamentos que se encadeiam enquanto a espera
acontece. A tolerância precisa fazer parte das virtudes que são construídas ao
longo da vida porque ninguém nasce suficientemente virtuoso. O desenvolvimento
dessa linha de raciocínio é coerente, é prudente, é oportuno até o momento em
que outro fio é puxado dessa meada. É hora de desatar os nós que foram dados;
atribuir-lhes significados até então encobertos pelo véu da comodidade, da
suposta naturalidade.
Talvez
o fato de amiudemente viver momentos de expectativa em situações desde as mais
corriqueiras às de importância mais acentuada, haja uma tomada de consciência
de que é fundamental a reflexão acerca desse estado. Enquanto se espera, eis a
oportunidade de fazer conjecturas, de analisar, de ponderar, de mensurar o
significado dessa espera interminável pelo menos em alguns aspectos, mediante
as constatações que se apresentam de forma tão clara.
Não
há como deixar de esperar, é verdade. Como diz o poeta, por um ou por outro
itinerário. Há, porém, circunstâncias que poderiam ser diferentes não fossem
outros fatores preexistentes: justamente os nós que foram se acumulando.
Desatá-los – e precisa que isso seja feito um a um – demanda uma enorme
disposição, pois se constitui um desafio refazer uma trajetória há muito
percorrida. Parte desse roteiro já não é mais possível seguir porque os espaços
foram tomados. Mas talvez fosse possível realizar a façanha de recuperação,
pelo menos em parte, desse território. É preciso redesenhar o mapa mediante uma
metódica análise.
No
processo de reflexão eis que ocorre uma constatação – entre várias: a certeza
de que, em primeiro lugar, é preciso que a tolerância seja exercitada consigo
mesmo para não sucumbir ao resultado desastroso de uma autoavaliação rigorosa
demais. Se determinadas coisas acontecem é porque existe a permissão do próprio
indivíduo para tal, e é inevitável o risco de atribuir a si próprio a
responsabilização dos fatos. Afinal, quem é o sujeito da ação de atar as duas
pontas de um fio?
O
grande desafio que se impõe é justamente encontrar a disposição necessária para
iniciar um longo e doloroso caminho de volta, se não ao ponto de partida que
seja ao menos ao lugar mais próximo dele, e tentar um outro jeito de seguir sem
deixar para trás os mesmos ou outros tantos nós. Diante do óbvio, o pensamento
que surge é desconcertante: é bem mais fácil permanecer no estado de inércia
que, mesmo causando um imenso desconforto, não exige mudanças, não implica
riscos. É bem verdade que as mudanças têm um caráter assustador, o que pode
causar um efeito paralisante.
Ao
tentar redesenhar o mapa, tornam-se nítidas as marcas da hesitação, das
paradas, dos recuos e avanços reveladores de conflitos que permearam as
decisões. Enquanto o mapa é redesenhado, outro compasso de espera é acionado no
momento presente. O sinal é o olhar distante que revela habitar outras
paragens. O tempo que duram tais abstrações não pode ser mensurado. A chuva
fina ainda persiste.
Das
constatações passa-se às conjecturas. Às vezes, nenhuma delas consegue tomar
corpo porque, mesmo momentaneamente, aquela espera acaba e começa uma etapa de
atividades até que outro momento de espera aconteça de novo. A impressão que se
tem é que a espera é o todo fragmentado de intervalos em que acontece uma ou
outra coisa.
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