sábado, 17 de junho de 2017

A escrita em mim




Aquele que tem por vício a leitura, droga alucinógena das mais leves, acabará cada vez mais dependente dela. E o pior, passará para drogas mais pesadas, como a escrita.
Nesta fase crítica, o leitor, agora escritor, tende a fugir regularmente da realidade e ter devaneios de que, assim como Deus, é criador de Universos inteiros.
 (Maleski)

É a palavra escrita que me permite a interação com o mundo – é ela que registra, que protesta, que chora, que sorri e que traduz o que me incomoda, o que me entristece e o que me causa contentamento. Põe-me em estado deliciosamente ilusório de que tenho controle sobre o que expresso.
A palavra escrita me permite ser comedida, pois releio, avalio, pondero e registro. Por outro lado, ela me cobra pela durabilidade do que está à vista dos olhares, ainda que relativa, dada a assustadora fluidez que caracteriza esses tempos de tanta liquidez. Há um preço pela permanência do impresso. Nessa hora, penso que ser loquaz com as palavras na oralidade tenha lá sua recompensa, já que o vento carrega o desnecessário e até mesmo as pérolas.
Nesse processo de análise, percebo a magia que há nas palavras e me permito divagar pelos meandros das possibilidades existentes na escolha, na apreciação dos efeitos, na sonoridade que o encadeamento delas pode produzir. Pensando nisso, é no processo da escrita que tais possibilidades me acenam oferecendo cores e nuances diversificadas, às vezes nunca vistas em outras palavras grafadas.
Entretanto, nem por isso deixo de admirar quem consegue escolher e estabelecer conexões seguras, claras e belas agregadas à entonação vibrante em discursos sonoros e vibrantes.
Ainda assim, enche-me os olhos o bordado que a palavra escrita elabora ao dar conta dos pontos que se entrelaçam e inspiram novas conexões às vezes com o mesmo tom, às vezes com tons tão distintos. E é justamente isso que dá singularidade ao que foi escrito.
A descoberta sobre ser a escrita o meu instrumento de comunicação com o mundo se deu em tempos idos, bem idos; quando escrevia diários e cartas, quando não cabiam mais em mim as palavras não ditas, as ideias só pensadas, as impressões sobre o mundo que me habitava. Depois de tanto tempo, o registro continua a ser feito, ainda que com mais leveza, menos sistematização e mais clareza, sobretudo no tocante às reais necessidades que determinam as temáticas que ocupam espaço em mim e que compõem parte do meu universo.
Entusiasma-me, enfim, pensar no efeito produzido de quem busca, nas linhas, nas entrelinhas e para além das linhas, o caminho percorrido por quem executa esse ritual de compor o cenário tão multifacetado da escrita.

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