Todos nós temos nossas máquinas do tempo.
Algumas nos levam pra trás, são chamadas de
memórias.
Outras nos levam para frente, são chamadas sonhos.
O
ponto de partida para qualificar como semânticas uma parte das minhas memórias
foi uma consequência de leituras acerca do processo de memorização que o
cérebro executa, a partir de várias divisões ou aspectos da memória, definidas
sob a ótica da neurologia.
Desse
ponto de vista, as memórias semânticas se caracterizam pelo significado que
elas representam para cada pessoa. E aqui, é justamente o ponto focal da minha
reflexão, qual seja trazer à tona as memórias que traduzem afeto,
contentamento, ternura e até mesmo uma saudade boa que insistimos, por vezes, em
sentir. Tais memórias são extremamente valiosas e prescindem de marcações
temporais e espaciais; são preciosas tão somente pelo seu significado, pela
produção de sentido e, ainda, pela compreensão de que se constituem uma versão
(a minha versão) de um determinado momento, e não necessariamente o registro
literal da realidade.
Nessas
memórias, a sinestesia se faz presente, a começar pelo som porque, como disse
Samuel Howe, quando se ouve boa música, fica-se com saudade de algo que nunca
se teve e nunca se terá. Isso significa que dificilmente escaparemos de sentir
saudade, o que não implica necessariamente sentir tristeza, embora uma vez ou
outra ela se faça presente porque não há como eximi-la da nossa história pela
escolhas que fazemos e pelas perdas inevitáveis que as escolhas determinam.
Na
esteira dessas divagações, é interessante perceber que nem sempre somos nós
quem escolhemos as músicas; talvez haja uma sintonia que ocasiona a conexão que
ignoramos a origem, todavia ela se estabelece naturalmente e se perpetua até
quando nos é (e for) possível lembrar. Ainda como parte desse processo
harmônico, a música nos encanta em espaços e momentos inusitados, em que os
nossos olhos brilham e a mente silencia para o coração sentir. Isso me remete
ao pensamento de Shopenhauer: a música exprime a mais alta filosofia numa
linguagem que a razão não compreende.
Nessa
escala sinestésica, o cheiro tem o seu espaço, o que não significa que
estejamos falando tão somente do aroma dos líquidos alojados em frascos. Há
momentos em que paira no ar um cheiro que nem sempre é possível identificar a
fragrância porque a origem não é de um produto determinado, palpável, mas sim
do ambiente que já se encontra impregnado pelas próprias características e
somente alguns conseguem identificar esse aroma.
Permeando
todas as nuances das memórias semânticas está a afetividade que, naturalmente,
aflora quando algum fator – externo ou interno – desencadeia as reminiscências,
o que nos permite empreender uma viagem. E, nesse contexto, há dias que, por si
só, despertam ou inspiram a evocação, seja de uma melodia, seja de um aroma; e
o sábado parece ser um dia assim pela própria atmosfera peculiar do seu lugar
no calendário. Já li que o sábado é a rosa da semana, talvez porque nos leve a
uma espécie de limbo, onde enxergamos a passado e vislumbramos o porvir.
Há,
também, lugares que remontam a outros espaços pelo efeito causado por um
detalhe que os olhos captam em meio a tantos outros que compõem determinado
cenário, o que desencadeia um processo de reconstituição de imagens ou de
recortes de conversas numa nítida ilustração de que tudo o que vivemos está bem
guardado, na expectativa de um sinal para despertar.
É
bem verdade que as memórias semânticas são tênues, ainda que tenham uma
presença física, quase viva. E isso pode ser exemplificado a partir de um outro
aspecto, o estilo – algo que não pode, evidentemente, ser associado à roupa. Isso
porque o estilo é o que traduz o movimento da alma, que revela o que pensamos.
Em determinados contextos e de forma inusitada, enxergamos algum estilo que
prontamente é associado a imagens e textos remotos, embora precisemos admitir a
possibilidade de que, às vezes, uma parte dessas memórias já tenha fugido ou se
confundido com os sonhos. Como saber?
Pôr fim
a tais elucubrações não significa dizer que foram esgotadas as nuances
semânticas da memória, por isso o mais adequado seria dizer, talvez, que se
trata somente de uma pausa...
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