Havia uma desconfiança: o mundo
não terminava onde os céus e a terra se encontravam. A extensão do meu olhar
não podia determinar a exata dimensão das coisas. Havia o depois. Havia o lugar
do sol se aninhar enquanto a noite se fazia. Havia um abrigo para a lua
enquanto era dia. E o meu coração de menino se afogava em desesperança. Eu que
não era marinheiro nem pássaro - sem barco e asa.
Um dia aprendi com Lili a
decifrar as letras e suas somas. E a palavra se mostrou como caminhos poderosos
para encurtar distância, para alcançar onde só a fantasia suspeitava, para
permitir silêncio e diálogo.
Com as palavras eu ultrapassava a
linha do horizonte. E o meu coração de menino se afagava em esperança.
Ao virar uma página do livro, eu
dobrava uma esquina, escalava uma montanha, transpunha uma maré.
Ao passar uma folha, eu
frequentava o fundo dos oceanos, transpirava em desertos para, em seguida, me
fazer hóspede de outros corações.
Pela leitura temperei a minha
pátria, chorei sua miséria, provei de minha família, bebi minha cidade,
enquanto, pacientemente, degustei dos meus desejos e limites.
Assim, o livro passou a ser o meu
porto, a minha porta, o meu cais, a minha rota. Pelo livro soube da história e
criei os avessos, soube do homem e seus disfarces, soube das várias faces e dos
tantos lugares de se olhar. No livro soube do Gêneses e no livro leio novos
testamentos do percurso. Ler é aventurar-se pelo universo inteiro.
(Bartolomeu Campos de Queirós, Sobre ler, escrever e outros diálogos.
Belo Horizonte: Autêntica, 2012, p. 63.)
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