quinta-feira, 29 de março de 2018

O beijo dos dinossauros – Carlos Heitor Cony

RIO DE JANEIRO – Um marinheiro americano, 18, beijou uma enfermeira, 27, na Times Square, a 14 de agosto de 1945. O fotógrafo Alfred Eisenstaedt, da ``Life", estava na mira. O beijo foi capa da revista, é um dos logotipos do nosso século, possivelmente o mais bonito num tempo que produziu outros logotipos como Hiroshima, Holocausto, Guerra Civil Espanhola, Vietnã, Biafra, Etiópia e derivados.
Agora, 50 anos depois do fim da guerra no Pacífico, uma rede de televisão americana procurou os dois personagens, que não se conheciam na época e nunca mais se encontraram. A enfermeira fora identificada em 1980, mas o marinheiro permaneceu desconhecido até há pouco.
Pela foto de 1945, parecia um pouco com Frank Sinatra num daqueles filmes em que ele aparece como marinheiro mesmo – um esforço de guerra, evidentemente. A rede criou um prêmio para quem provasse que era o rapaz cuja euforia foi o melhor símbolo da paz que voltava ao mundo.
Apareceram vários candidatos, todos querendo ganhar a grana firme. Gente esperta, provavelmente da escola neoliberal, que considera o lucro como o supremo valor da existência humana. Foram desmascarados pela enfermeira, que perguntava a cada um deles o que haviam se dito na hora.
Até que os netos de Carl Muscarello, um policial aposentado, obrigaram-no a ir ao programa. A enfermeira o reconheceu, pois foi o único que passou no teste: ele a beijara na rua e fora embora, beijar outras moças. Tinha 18 anos, o mundo estava em paz e ele estava feliz.

No estúdio, Carl beijou a enfermeira. Apesar das idades, ele com 68, ela com 77 anos, o entusiasmo foi o mesmo. Beijo na boca, com direito a tudo que um beijo tem e dá. E, como da primeira vez, ele não disse nada. Recusou o prêmio: ``Não estou interessado em dinheiro". E, ainda como da primeira vez, mostrou ao mundo pós-moderno um valor que os neoliberais atribuem ao período cambriano, com seus dinossauros fossilizados. 

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