domingo, 19 de setembro de 2010

O sentido das palavras


Usamos todos os dias as palavras como instrumentos dóceis e disponíveis, como se sempre estivessem estado prontas para nós, com seu sentido claro e útil. Se elas tivessem sempre um sentido óbvio e único, não haveria literatura, não haveria mal-entendido e controvérsia. Se as palavras tivessem sempre o mesmo sentido e se indicassem diretamente as coisas nomeadas, como seria possível a mentira?
Como é possível que as palavras ou a linguagem tenham o poder para tornar o verdadeiro, falso, e fazer do falso, verdadeiro? Como seria uma sociedade na qual a mentira fosse a regra e, portanto, na qual não conseguíssemos nenhuma informação, por menor que fosse, que tivesse alguma veracidade? Como faríamos para sobreviver, se tudo o que nos fosse dito fosse mentira? Perguntas e respostas seriam inúteis, a desconfiança e a decepção seriam as únicas formas de relação entre as pessoas e tal sociedade seria a imagem do inferno.
Como é possível que a linguagem tenha tamanho poder mistificador? É que os seres humanos, desde as culturas mais antigas, sempre acreditaram que certas palavras podem ter força para fazer acontecer ou não acontecer as coisas, pois têm poderes mágicos (é por isso que em todas as sociedades há palavras que são consideradas de boa sorte e da má sorte). Como é possível que a linguagem seja capaz de produzir coisas ou fatos?
A linguagem pode mistificar e iludir. Porém, ao mesmo tempo, como é possível que, em todas as culturas, na relação entre os homens e a divindade, entre o profano e o sagrado, o papel fundamental de revelação da verdade seja sempre dado à linguagem, à palavra sagrada e verdadeira que os deuses dizem aos homens? Como uma mesma coisa – a palavra e o discurso – pode ser origem, ao mesmo tempo, da verdade e da falsidade? Como a linguagem pode mostrar e esconder?
Como essa duplicidade misteriosa da linguagem pode servir para manter o dogmatismo? Mas também, como pode despertar o desejo da verdade?
Um convite poético é aliado do convite filosófico acerca do sentido das palavras:
Penetra surdamente no reino das palavras. [...]
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Há, ainda, o convite à reflexão de um pensador: A palavra que eu tomo em minhas mãos não é nunca um objeto inerte, há sempre um coração alheio batendo nela, uma outra intenção, uma vida diferente da minha vida, com a qual eu preciso me entender.

2 comentários:

  1. Tornar nossos pensamentos inteligíveis através da linguagem verbal, DA PALAVRA, é o que faz do homem, SER HOMEM.

    Parabéns pelas palavras!

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  2. Achei sensacional a reflexão filosófica sobre as palavras!
    É fato, as palavras podem tanto nos libertar como nos oprimir,e acrescento, estão para confundir, pois elas nos aproximam e nos afastam de pessoas, de coisas, de VERDADES.
    Nossa responsabilidade com o uso das palavras chega a ser colossal! Não podemos espalhar flores as quais não foram colhidas! PARABÉNS PELAS PALAVRAS!

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