quinta-feira, 14 de abril de 2011

Transitoriedade

No bosque, o encontro com o pequeno
corço morto suscita reflexões... 
Num instante de clarividência entendi que eu também era um ser de carne e osso, isto é, um animal que tinha meu tempo na Terra e que, um dia, não estaria mais aqui. Não vou negar que o encontro com o corço morto foi decisivo para o meu grande interesse pela natureza.
Sempre me pareceu terrível que posso desaparecer a qualquer momento, que só me cabe esta vez e que nunca mais vou voltar. Assim, de certa forma, reconciliei-me com essa ideia, situando a mim e a minha breve vida dentro de um contexto maior. Treinei para aceitar que não passo de uma peça íntima da grande aventura da vida, um pedacinho fugaz de algo que é bem maior e mais poderoso do que eu. Dessa maneira, tentei ampliar minha identidade, meu próprio  eu, sempre à custa do pequeno eu, esse eu que a qualquer momento pode ter o mesmo destino de um pequeno corço, esse ungulado morto que ainda me pesa em algum lugar do subconsciente e nunca se levanta nem se move. Treinei e treino continuamente, embora não possa me gabar de ter feito grandes progressos. Continua me ocorrendo todas as manhãs que só eu sou eu, e que só estou aqui agora, que só agora você e eu somos os que trazemos dentro de nós a consciência de que este Universo tem de si mesmo.
Contemplar a própria vida sob o aspecto do eterno talvez possa ser considerado um respeitável êxito moral ou intelectual, mas não proporciona necessariamente paz e tranquilidade mental. Não é um consolo o fato de que eu - um primata monstruosamente autossuficiente - seja capaz de trazer na minha memória todo o passado deste Universo, desde o big-bang até Bill Clinton e Monica Lewinsky, só para citar dois primatas famosos. Não proporciona nenhuma paz espiritual abraçar períodos de tempo cada vez mais longos, devo confessar que é exatamente o contrário, as coisas pioraram, e talvez eu devesse ter procurado um cirurgião da alma para que tirasse esse animal morto do meu subconsciente infeccionado. Agora é tarde demais, acho.
Esta reflexão é também para você, que sabe estar aqui só de passagem.

3 comentários:

  1. Cada vez melhor! Muito bom Vastí. De toda nossa existência real e virtual, poucos são nossos rastros, alguns andam por si só, outros são encobertos nos escondros de muita coisa sem relevância, sem objetivo! Mas a vida sempre continua, é mais que auto suficiente...

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  2. Dependendo do momento em que estamos vivendo podemos enfatizar que gostaríamos de eternizar muitas coisas, mas também em outros momentos pensamos: ainda bem que NADA aqui nesssa vida pode ser eterno. E assim caminha a humanidade.

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  3. Vasti,carrego em mim, o desejo de estar sempre em amizade comigo, com os outros e com Deus e quando sem querer, a certeza da morte chega ao pensamento, peço a Deus que este desejo seja concretizado sempre, na luz, visto que enquanto humanos, somos responsaveis pela nossa historia, sem perdermos de vista que tudo um dia vira passado e que podemos zelar pra que a memoria perpasse, embora que finitamente, mas de uma forma que para quem tenha nos conhecido,possamos ser uma saudade gostosa, uma lembrança viva capaz de ser um lugar onde alma teima em querer voltar, como diz Rubem Alves.Abraços!Zilma

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