domingo, 30 de outubro de 2011

Hamlet, IV,4

O quarto e último grande monólogo de Hamlet é o único da peça que fala mais de ação do que de existência. Enquanto jovem, Hamlet hesitava entre a vaidade da ação e a vacuidade da inação, ao passo que, adulto, ele se transforma num homem combativo que descobre justamente na futilidade da grandeza uma justificativa para a ação. Ele vê soldados, capitães, reis que talvez vão perder suas vidas por quase nada, mas ele compreende que a vida, quando desprovida de uma puerilidade superior, uma espécie de infantilidade embriagadora, dissolve-se na matéria bruta, numa espécie de adormecimento vegetal. Importa colocar sua honra onde ela deve estar e defendê-la conscientemente, na hora certa. E aceitar uma parcela de acaso.
Hamlet se torna real quando compreende que a realeza nada vale, que não é a realeza que é boa, mas sim a grandeza que ela permite. Pode-se dizer o mesmo da poesia.

Como todas as ocasiões testemunham contra mim
E impulsionam minha sombria desforra! O que é um homem,
Se seu bem supremo e todo seu lazer
Reduzem-se a comer e dormir? Um animal, nada mais.
É certo que Aquele que nos dotou de uma tão vasta inteligência,
Aberta para o futuro e o passado, não nos deu
Essa faculdade e essa razão quase divina
Para que ela degenere-se sem uso em nosso interior.
Agora, que seja por inconsciência bestial ou tímido escrúpulo
Que medida com rigor demais sobre o acontecimento - 
Um pensamento que, dividido em quatro, 
tem uma parte de sabedoria
E três quartos de covardia - eu não sei
Porque ainda estou vivo para dizer "é preciso agir",
Já que tenho o motivo, e o desejo, e a força, e os meios de agir,
Exemplos tão vastos quanto a Terra exportam-me a isso.
Tal esse exército tão grande e tão poderoso,
Dirigido por um príncipe terno e delicado, cujo espírito, túrgido de entusiasmo,
Zombando prossegue, adiantando-se ao invisível acontecimento,
Expondo aquilo que é mortal e frágil
A todas as contingências da fortuna, da morte e do perigo, em troca de insignificâncias.
Para atingir realmente a grandeza, só um grande argumento pode justificar o engajamento,
Ao passo que se vê numa haste de palha uma grande causa quando está em jogo a honra.
O que faço eu aqui, com um pai assassinado, uma mãe conspurcada,
A excitação de meu juízo e de meu sangue
Tudo adormece, quando para minha vergonha vejo a morte iminente de vinte mil homens
Que, por um capricho e uma ilusão de glória,
Dirigem-se a seus túmulos como que indo rumo a seus leitos, entregam-se a um combate
Em que está em jogo um pedaço de terra menor que o campo de batalha,
E cuja superfície não será bastante grande para que nela se enterrem suas ossadas.
Doravante, que se tinjam de sangue meus pensamentos, ou de nada valerão eles.

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