Vejo que estou cercada de tesouros; vejo assim porque meus pais me
mostraram a importância de ler e de escrever e por isso sou profundamente
grata.
Porque fiz da escrita meu refúgio e dei às letras um significado que
transcende a sua função primeira.
Porque conheço algumas pessoas por quem tenho verdadeira admiração.
Porque me foi confiada a guarda de dois seres especiais, inteligentes e
capazes a quem tenho dedicado minha existência.
Porque formei um núcleo familiar, um porto seguro onde a paz se faz
sentir.
Porque aprendi a estabelecer diferenças entre sonho, perspectiva e
utopia.
Porque compreendi que não obstante a ausência do conforto que os bens
materiais oportunizam, as necessidades básicas têm sido supridas em minha vida
secular pelo esforço diário empreendido e, principalmente, pela disciplina que
aprendi a exercer sobre os impulsos.
Porque aprendi a cultivar a paz interior.
Porque descobri que tenho muito a agradecer à Providência. “Às vezes
acontece que nossas vidas até mesmo no que têm de mais cotidiano superam em
muito qualquer história inventada.”
Porque reconheço o efeito miraculoso que a maternidade me fez: tornou-me
mais humana, mais sensível às mazelas sociais; cheguei mais perto do sofrimento
alheio, embora tenha me fragilizado mais me percebendo impotente diante de
tantas adversidades.
Porque enxergo nas minhas limitações evidências de que normalidade e
deficiência são coisas relativas.
Porque vislumbro possibilidades constantes de crescimento interior.
Porque convivo bem com a minha solidão, descobri que ela é uma sábia
conselheira.
Porque me rendo, às vezes, diante das frustrações e dos desencantos, mas
tenho encontrado alguma força para cumprir as tarefas que me são confiadas.
Tenho um tesouro interior.
Porque o meu comportamento nem sempre corresponde às expectativas do
senso comum, contudo isso já não me aflige. É a minha singularidade.
Porque desenvolvi o hábito de captar palavras, expressões significativas
em livros, entrevistas, textos jornalísticos e/ou literários que servem de
referência na composição do meu discurso diário.
Porque sou consciente de que, se não tenho ousadia para viver de acordo
com as minhas convicções, todavia busco diariamente o autoconhecimento. E nessa
busca avanço, palmo a palmo, sobre um campo minado que encerra grandes
tesouros.
Porque oscilo entre um contentamento silencioso e uma melancolia
crônica; num processo e noutro descubro a utilidade de sentir, de estar no
mundo e de ser.
Em meio a tantos tesouros que enxergo por trás dos óculos, há os
desafios a enfrentar e estes são muitos, mas tenho a desconfiança de que eles
trazem consigo grandes riquezas que se mostrarão quando enfrentados.
Vou continuar a minha caminhada passo a passo, no meu ritmo, no meu
tempo, do meu jeito.
Continuarei a fazer a minha leitura das mensagens que surgem pelo
trajeto que estabeleci para mim, uma vez ou outra cometendo erros ocasionados
pela minha miopia, a despeito dos meus óculos. Os tropeços são inevitáveis.
Os meus escritos estão impregnados de intimismo, procuro registrar a
leitura de mundo que constantemente faço. Já disse o filósofo que todo mundo
tem sua própria linguagem, e que talvez sejamos particularmente individualistas
na escolha de palavras e expressões mais frequentes.
Creio ter encontrado a minha própria linguagem.
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