domingo, 2 de março de 2014

Introspecção cosmológica


[A palavra] céu convoca, um pouco em desordem, as almas viventes e as tecnologias galopantes. Nos últimos vinte anos aprendemos mais do céu do que tínhamos aprendido em dois mil, e isso graças à união da astronomia e da física. A astrofísica é o casamento da Terra e do céu no pensamento humano, da física, prática de laboratório que consiste em extrair leis da matéria deste mundo, e da astronomia, que é um olhar dirigido para o inacessível. Sem a física, a astronomia não tem cabeça, mas, sem a astronomia, a física não tem asas.

Ao apontar para a Lua sua luneta, Galileu enxergou montanhas; ele concluiu disso, com muita justeza, que a Lua é terrosa. Invertemos por querer esta proposição e dizemos que a Terra é celeste. A primeira equação da astrofísica é: Terra = céu. O que não se encontra aqui embaixo não se encontra em lugar nenhum.
O espaço está perdido porque todos os lugares se equivalem, mas o tempo foi reencontrado, pois vivemos no tempo abençoado em que a matéria fala. Alguns veem certas coisas no céu. Nós, astrofísicos, vemos o céu nas coisas: sem saber, você bebe o universo numa gota d’água da chuva, pois a molécula da água reúne em seu seio o hidrogênio, vestígio da “explosão original” ou Big Bang, e o oxigênio, exalado pelas estrelas que o produzem em seu forno. Existe, pois, uma cadeia física da gênese. No ponto em que o mundo se articula com o esquecimento, o tema da genealogia da matéria põe em relação os elementos e as estrelas, a Terra e o céu, a luz e a matéria, a criação e o aniquilamento, a gênese e o apocalipse... O homem resgata a amnésia cósmica através da ciência.
Nosso projeto filosófico não é mais domínio e possessão da natureza, mas sim abertura para todas as luzes, visíveis ou invisíveis. Mehr Licht! Estamos sempre pedindo mais luz, como Goethe em seu leito de morte. A fim de dar um sentido aos sinais do céu, descriptamos a linguagem sutil dos mensageiros celestes, fótons, neutrinos e, brevemente, a das ondas gravitacionais. O olho natural, solar, dá lugar a um olhar universal. A arte não se encontra mais numa cor, mas na combinação de todas as cores, visíveis ou invisíveis, de todas as irradiações, de todas as partículas móveis, fótons, neutrinos, raios cósmicos.
A criação da matéria tornou-se um objeto de pesquisa das ciências. A existência dos átomos estando firmemente estabelecida, convém agora pesquisar suas fontes, e tais fontes estão no céu. A teoria do Big Bang, filha da relatividade geral e da astronomia conjugada à física nuclear, ensina que o hidrogênio e o hélio são originais e que as estrelas – lugar da fusão termonuclear – forjaram em seu cadinho, a partir destes elementos simples, todos os outros, desde o carbono até o urânio. Elas abriram-se como flores e polvilharam pelo espaço miríades de átomos alados, semente necessária à vida, aos próprios que elas forjaram. Todas as humanidades que estão por nascer encontram-se lá, em volta das supernovas, estrelas esquartejadas que deixaram escapar a própria substância.
As estrelas sempre foram caras ao coração das crianças e dos poetas, mas eles não sabiam muito bem por quê. A astrofísica dá corpo a este amor explicando que nossos átomos foram carregados pelo ventre das estrelas. O elo entre as estrelas e os homens, e de maneira mais geral entre todas as formas existentes no céu, é genético, material e histórico. O céu é feito de tantas histórias quanto de átomos. Toda luz torna-se palavra. O Big Bang grita em nossa direção.

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