[A palavra]
céu convoca, um pouco em desordem, as almas viventes e as tecnologias
galopantes. Nos últimos vinte anos aprendemos mais do céu do que tínhamos
aprendido em dois mil, e isso graças à união da astronomia e da física. A astrofísica
é o casamento da Terra e do céu no pensamento humano, da física, prática de
laboratório que consiste em extrair leis da matéria deste mundo, e da astronomia,
que é um olhar dirigido para o inacessível. Sem a física, a astronomia não tem
cabeça, mas, sem a astronomia, a física não tem asas.
Ao apontar
para a Lua sua luneta, Galileu enxergou montanhas; ele concluiu disso, com
muita justeza, que a Lua é terrosa. Invertemos por querer esta proposição e
dizemos que a Terra é celeste. A primeira equação da astrofísica é: Terra =
céu. O que não se encontra aqui embaixo não se encontra em lugar nenhum.
O espaço
está perdido porque todos os lugares se equivalem, mas o tempo foi
reencontrado, pois vivemos no tempo abençoado em que a matéria fala. Alguns veem
certas coisas no céu. Nós, astrofísicos, vemos o céu nas coisas: sem saber,
você bebe o universo numa gota d’água da chuva, pois a molécula da água reúne
em seu seio o hidrogênio, vestígio da “explosão original” ou Big Bang, e o oxigênio, exalado pelas
estrelas que o produzem em seu forno. Existe, pois, uma cadeia física da
gênese. No ponto em que o mundo se articula com o esquecimento, o tema da genealogia da matéria põe em relação os
elementos e as estrelas, a Terra e o céu, a luz e a matéria, a criação e o
aniquilamento, a gênese e o apocalipse... O homem resgata a amnésia cósmica
através da ciência.
Nosso projeto
filosófico não é mais domínio e possessão da natureza, mas sim abertura para
todas as luzes, visíveis ou invisíveis. Mehr
Licht! Estamos sempre pedindo mais luz, como Goethe em seu leito de morte. A
fim de dar um sentido aos sinais do céu, descriptamos a linguagem sutil dos
mensageiros celestes, fótons, neutrinos e, brevemente, a das ondas
gravitacionais. O olho natural, solar, dá lugar a um olhar universal. A arte
não se encontra mais numa cor, mas na combinação de todas as cores, visíveis ou
invisíveis, de todas as irradiações, de todas as partículas móveis, fótons,
neutrinos, raios cósmicos.
A criação da
matéria tornou-se um objeto de pesquisa das ciências. A existência dos átomos
estando firmemente estabelecida, convém agora pesquisar suas fontes, e tais
fontes estão no céu. A teoria do Big Bang,
filha da relatividade geral e da astronomia conjugada à física nuclear, ensina
que o hidrogênio e o hélio são originais e que as estrelas – lugar da fusão
termonuclear – forjaram em seu cadinho, a partir destes elementos simples,
todos os outros, desde o carbono até o urânio. Elas abriram-se como flores e
polvilharam pelo espaço miríades de átomos alados, semente necessária à vida,
aos próprios que elas forjaram. Todas as humanidades que estão por nascer
encontram-se lá, em volta das supernovas, estrelas esquartejadas que deixaram
escapar a própria substância.
As estrelas
sempre foram caras ao coração das crianças e dos poetas, mas eles não sabiam
muito bem por quê. A astrofísica dá corpo a este amor explicando que nossos
átomos foram carregados pelo ventre das estrelas. O elo entre as estrelas e os
homens, e de maneira mais geral entre todas as formas existentes no céu, é
genético, material e histórico. O céu é feito de tantas histórias quanto de
átomos. Toda luz torna-se palavra. O Big
Bang grita em nossa direção.
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