segunda-feira, 5 de maio de 2014

A arte de pregar



A eloquência é algo admirável – principalmente para aqueles que sabem ouvir, pois isso também é uma dádiva divina e uma habilidade desenvolvida, ao longo da vida, por almas sensíveis. É também uma arte de se fazer ouvir quando se tem consciência de que há algo que precisa e deve ser transmitido, mas também ser ouvido poderá vir a ser perigoso porque há ideias realmente explosivas.
Padre Antônio Vieira – figura de destaque da escola barroca tanto em Portugal como no Brasil, visto que passou grande parte da sua vida fugindo da Santa Inquisição pela bandeira que levantava em prol dos judeus e por isso veio ao Brasil, para depois ser perseguido por defender negros e índios – escreveu num de seus sermões mais famosos, o da Sexagésima, sobre a arte de pregar. Nele, Vieira nos diz que se a palavra de Deus não produz o efeito desejado, a culpa é de um dos três elementos que constituem o processo da pregação: o pregador, o ouvinte ou Deus.
Quando ele questiona esse processo, lembra-nos da parábola do semeador: o trigo que caiu entre os espinhos e foi sufocado, o que caiu à beira da estrada e foi pisado pelos homens e comido pelas aves, o que caiu num terreno pedregoso e não frutificou e, finalmente, o que caiu em terra boa e vicejou.
O escritor também nos induz a pensar naquilo que não está escrito no evangelho, no que Cristo não disse: o trigo não deixou de florescer por causa da chuva ou do sol, pois tais causas são oriundas da ação natural; no entanto, o seu florescimento ou não, ocorreu como consequência da ação humana. Bem, concluímos que ao pregador ou ao ouvinte cabe a responsabilidade.
O conhecimento associado à razão sob a graça divina tem um resultado edificante e, talvez, resida aí o sucesso da pregação que enseja a reflexão, a mudança de atitude: a transformação dos espinhos em flores.
Isso é só um pouquinho da eloquência de Vieira, cuja grandiosidade pode ser avaliada se nos dispusermos a conhecer o teor de seus sermões que o consagrou no conceptismo barroco.
É importante registrar que o homem barroco vivia um contexto de tensão, em busca de equilíbrio tentando conciliar forças opostas: bem e mal, pecado e virtude, espírito e matéria... e foi justamente essa busca que ocasionou a reflexão sobre a pregação já que para ele, Vieira, o púlpito era o seu posto onde lutava para diminuir as desigualdades, as injustiças mesmo que estas estivessem no seu próprio campo de trabalho. E ele desempenhava tão bem o seu papel que o papa Clemente agradeceu aos céus por tê-lo na Igreja; daria muito trabalho tê-lo como adversário.
Essa dualidade que compõe o ser humano foi bem trabalhada dentro do conceptismo de Vieira, e a base desse trabalho foi a bem elaborada arte de pregar. Não há como negar, ignorar ou até mesmo desfazer essa condição de dualidade do ser humano.
Invariavelmente dizemos ou ouvimos palavras que são pronunciadas sem grande consciência do seu teor, do efeito negativo que irão produzir, mesmo porque muitas delas podem deixar marcas indeléveis. Certamente quando nos conscientizarmos do poder da palavra, talvez nos tornemos mais cautelosos.

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