A eloquência é algo admirável – principalmente para aqueles que sabem
ouvir, pois isso também é uma dádiva divina e uma habilidade desenvolvida, ao
longo da vida, por almas sensíveis. É também uma arte de se fazer ouvir quando
se tem consciência de que há algo que precisa e deve ser transmitido, mas
também ser ouvido poderá vir a ser
perigoso porque há ideias realmente explosivas.
Padre Antônio Vieira – figura de destaque da escola barroca tanto em
Portugal como no Brasil, visto que passou grande parte da sua vida fugindo da
Santa Inquisição pela bandeira que levantava em prol dos judeus e por isso veio
ao Brasil, para depois ser perseguido por defender negros e índios – escreveu
num de seus sermões mais famosos, o da Sexagésima, sobre a arte de pregar.
Nele, Vieira nos diz que se a palavra de Deus não produz o efeito desejado, a
culpa é de um dos três elementos que constituem o processo da pregação: o
pregador, o ouvinte ou Deus.
Quando ele questiona esse processo, lembra-nos da parábola do semeador:
o trigo que caiu entre os espinhos e foi sufocado, o que caiu à beira da
estrada e foi pisado pelos homens e comido pelas aves, o que caiu num terreno
pedregoso e não frutificou e, finalmente, o que caiu em terra boa e vicejou.
O escritor também nos induz a pensar naquilo que não está escrito no
evangelho, no que Cristo não disse: o trigo não deixou de florescer por causa
da chuva ou do sol, pois tais causas são oriundas da ação natural; no entanto,
o seu florescimento ou não, ocorreu como consequência da ação humana. Bem,
concluímos que ao pregador ou ao ouvinte cabe a responsabilidade.
O conhecimento associado à razão sob a graça divina tem um resultado
edificante e, talvez, resida aí o sucesso da pregação que enseja a reflexão, a
mudança de atitude: a transformação dos espinhos em flores.
Isso é só um pouquinho da eloquência de Vieira, cuja grandiosidade pode
ser avaliada se nos dispusermos a conhecer o teor de seus sermões que o
consagrou no conceptismo barroco.
É importante registrar que o homem barroco vivia um contexto de tensão,
em busca de equilíbrio tentando conciliar forças opostas: bem e mal, pecado e
virtude, espírito e matéria... e foi justamente essa busca que ocasionou a
reflexão sobre a pregação já que para ele, Vieira, o púlpito era o seu posto
onde lutava para diminuir as desigualdades, as injustiças mesmo que estas
estivessem no seu próprio campo de trabalho. E ele desempenhava tão bem o seu
papel que o papa Clemente agradeceu aos céus por tê-lo na Igreja; daria muito
trabalho tê-lo como adversário.
Essa dualidade que compõe o ser humano foi bem trabalhada dentro do
conceptismo de Vieira, e a base desse trabalho foi a bem elaborada arte de
pregar. Não há como negar, ignorar ou até mesmo desfazer essa condição de
dualidade do ser humano.
Invariavelmente dizemos ou ouvimos palavras que são pronunciadas sem
grande consciência do seu teor, do efeito negativo que irão produzir, mesmo porque
muitas delas podem deixar marcas indeléveis. Certamente quando nos
conscientizarmos do poder da palavra, talvez nos tornemos mais cautelosos.
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