Alguém fez despertar
em mim a ideia de que o deserto está presente nas histórias que compõem a
cultura de vários povos. Ele está sempre lá como o lugar em que alguém se
refugiou para reconciliação consigo mesmo ou com o mundo, ou como trajeto
inevitável para um rito de passagem.
É
sabido que o homem do deserto resiste às tempestades de areia durante o dia e
ao frio durante a noite porque sabe que, em algum momento, chegará a um oásis. Lá,
encontrará abrigo e, depois de reconfortado, no dia seguinte, irá se aventurar
novamente. O homem do deserto sabe também que o poder infinito de Deus não está
na tempestade, mas na brisa. Aprendeu isso lendo a sabedoria transformada em
poesia por alguma alma sensível e experimentando fazer a travessia de um
deserto.
Todo
mundo precisa de um oásis, um lugar onde haja energia suficiente para se
revitalizar. O deserto está lá fora, a tempestade no ar; o sol escaldante é uma
ameaça, todavia o viajante se rende ao fascínio dessa geografia porque ele também
aprendeu com um outro viajante que o que
torna belo o deserto é que ele esconde um poço em algum lugar. A geografia
é reveladora.
É
ingenuidade pensar que se pode permanecer indefinidamente no oásis, pois dessa
forma, esse lugar perderia sua condição primeira e se tornaria, então, uma
prisão. Estar no oásis é preciso, não ficar no oásis é necessário. A liberdade
está lá fora, no deserto. Há uma travessia a ser feita e ninguém pode fazê-la
pelo outro.
No
trajeto, surgem razões para sorrir e para chorar, num exercício constante da
alegria e da tristeza. Conhecendo uma e outra, reconhece-se o valor das coisas
que realmente importam. A beleza das dunas desenhando o horizonte numa visão
quase que sobrenatural e a ameaça da sede, a possibilidade de perder a certeza
da existência de um poço... São lições que ficam gravadas na alma.
A
visão do deserto ora fascina, ora amedronta o viajante porque ele sabe que cada
passo encerra um risco. O medo do risco pode se tornar bem maior que o próprio
risco. As marcas deixadas pelo viajante logo são apagadas pelo vento. Quem
empreende o propósito de atravessar o deserto sabe que maior do que o risco é a
busca da felicidade na realização da travessia.
Enganam-se os que pensam ser a felicidade o
ponto de chegada.
(Escrito num dia qualquer do ano 2014)
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