sábado, 24 de maio de 2014

No deserto

Alguém fez despertar em mim a ideia de que o deserto está presente nas histórias que compõem a cultura de vários povos. Ele está sempre lá como o lugar em que alguém se refugiou para reconciliação consigo mesmo ou com o mundo, ou como trajeto inevitável para um rito de passagem.
É sabido que o homem do deserto resiste às tempestades de areia durante o dia e ao frio durante a noite porque sabe que, em algum momento, chegará a um oásis. Lá, encontrará abrigo e, depois de reconfortado, no dia seguinte, irá se aventurar novamente. O homem do deserto sabe também que o poder infinito de Deus não está na tempestade, mas na brisa. Aprendeu isso lendo a sabedoria transformada em poesia por alguma alma sensível e experimentando fazer a travessia de um deserto.
Todo mundo precisa de um oásis, um lugar onde haja energia suficiente para se revitalizar. O deserto está lá fora, a tempestade no ar; o sol escaldante é uma ameaça, todavia o viajante se rende ao fascínio dessa geografia porque ele também aprendeu com um outro viajante que o que torna belo o deserto é que ele esconde um poço em algum lugar. A geografia é reveladora.
É ingenuidade pensar que se pode permanecer indefinidamente no oásis, pois dessa forma, esse lugar perderia sua condição primeira e se tornaria, então, uma prisão. Estar no oásis é preciso, não ficar no oásis é necessário. A liberdade está lá fora, no deserto. Há uma travessia a ser feita e ninguém pode fazê-la pelo outro.
No trajeto, surgem razões para sorrir e para chorar, num exercício constante da alegria e da tristeza. Conhecendo uma e outra, reconhece-se o valor das coisas que realmente importam. A beleza das dunas desenhando o horizonte numa visão quase que sobrenatural e a ameaça da sede, a possibilidade de perder a certeza da existência de um poço... São lições que ficam gravadas na alma.
A visão do deserto ora fascina, ora amedronta o viajante porque ele sabe que cada passo encerra um risco. O medo do risco pode se tornar bem maior que o próprio risco. As marcas deixadas pelo viajante logo são apagadas pelo vento. Quem empreende o propósito de atravessar o deserto sabe que maior do que o risco é a busca da felicidade na realização da travessia.
 Enganam-se os que pensam ser a felicidade o ponto de chegada.

(Escrito num dia qualquer do ano 2014) 

Nenhum comentário:

Postar um comentário