sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

RECITAL – O BRUXO DO COSME VELHO

Abertura ao som da música Encontros e Despedidas (Maria Rita)

Mande notícias do mundo de lá
Diz quem fica
Me dê um abraço, venha me apertar
Tô chegando
Coisa que gosto é poder partir
Sem ter planos
Melhor ainda é poder voltar
Quando quero
Todos os dias é um vai-e-vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega pra ficar
Tem gente que vai pra nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar
E assim, chegar e partir
São só dois lados
Da mesma viagem
O trem que chega
É o mesmo trem da partida
A hora do encontro
É também de despedida
A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar
É a vida desse meu lugar
É a vida

Machado de Assis no seu tempo

Feliz Ano Novo!
Rio de Janeiro, 31 de dezembro de 1899. Passagem de ano. Virada de século. Reforçavam-se as crenças nas mudanças e também se cristalizava o medo do desconhecido. Apocalipse ou paraíso? Quanto ao século, os médicos que estavam presentes ao parto reconhecem que este é o difícil, crendo uns que o que agora aparece é a cabeça do século XX, outros que são os pés do XIX. Eu sou pela cabeça, como sabe.
Quem escreveu isso foi um mulato que, naquela passagem de século, tinha 61 anos incompletos. Nunca fora bonito e consta que era meio gago. Nessa altura da vida, uma das figuras mais ilustres da literatura brasileira daquele e de todos os tempos: Joaquim Maria Machado de Assis.
A vida do sexagenário transcorria em normalidade. Não era rico, mas vivia confortavelmente. Trabalhava bastante, era respeitado e famoso. No entanto, nem sempre foi assim. Criança pobre, neto de escravos alforriados, nascido no morro, já confessava, desde cedo, “sentir umas coisas estranhas”, talvez as primeiras manifestações da epilepsia.
Apesar dessas limitações, o menino Joaquim Maria costumava emaranhar-se pelas ruas da cidade onde nasceu, escreveu, amou e morreu: o Rio de Janeiro. E foi no Morro do Livramento que o pintor de paredes Francisco de Assis e a portuguesa Maria Leopoldina Machado de Assis viram nascer, no dia 21 de junho de 1839, o menino Joaquim Maria Machado de Assis.
Se frequentou escolas regularmente, não se sabe. É certo que já adolescente não poupava esforços para sair do anonimato do morro e integra-se à vida intelectual da cidade. Não foi fácil, uma vez que as teorias racistas que se espalhavam pelo século XIX sustentavam a superioridade natural da raça branca sobre negros, índios e mestiços. Joaquim Maria era mulato.
Na verdade, sua ascensão intelectual só se completou por volta de 1880, quando no cenário da literatura brasileira, ninguém o superava em fama e importância. Mas o percurso foi longo, tudo ocorreu passo a passo. A alta qualidade da sua literatura vai se revelar nas obras da idade madura.
O amor de verdade, de carne e osso – não o ficcional dos romances – viria na figura de Carolina Novais, de nacionalidade portuguesa e mais velha que ele. Em carta, Machado declarou-lhe: Tu não pareces com as mulheres vulgares que tenho conhecido, espírito e coração como os teus são prendas raras [...] Como te não amaria eu?
Viram-se. Amaram-se. Casaram em 12 de novembro de 1869. De sua vida pessoal pouco se sabe ao certo. Apenas que viveu feliz ao lado de Carolina, durante 35 anos.

Feliz Ano Velho!
Quando Carolina Novais morreu, em 1904, a vida de Machado de Assis desmoronou. Ele escreveu: Foi-se a melhor parte da minha vida, e aqui estou só no mundo [...] Aqui me fico, por ora, na mesma casa, no mesmo aposento, com os mesmos adornos seus. Tudo me lembra a minha meiga Carolina. Como estou à beira do eterno aposento, não gastarei tempo em recordá-la. Irei vê-la, ela me espera.

Eis o soneto que traduz seus sentimentos
À Carolina
Querida, ao pé do leito derradeiro
Em que descansas dessa longa vida,
Aqui venho e virei, pobre querida,
Trazer-te o coração do companheiro.

Pulsa-lhe aquele afeto verdadeiro
Que, a despeito de toda a humana lida,
Fez a nossa existência apetecida
E num recanto pôs um mundo inteiro.

Trago-te flores, - restos arrancados
Da terra que nos viu passar unidos
E ora mortos nos deixa e separados.

Que eu, se tenho nos olhos malferidos
Pensamentos de vida formulados,
São pensamentos idos e vividos.


Para Machado, o “eterno aposento” se abriria quatro anos mais tarde. As únicas coisas que o mantinham vivo eram o carinho dos amigos, o interesse pela literatura e pela Academia Brasileira de Letras, que ajudou a fundar em 1896, e da qual fora eleito presidente primeiro e perpétuo.

A música TRAVESSIA, de Milton Nascimento, no nosso tempo, expressa o divisor de águas na vida de Machado de Assis.

Quando você foi embora fez-se noite em meu viver
Forte eu sou, mas não tem jeito
Hoje eu tenho que chorar
Minha casa não é minha e nem é meu este lugar
Estou só e não resisto, muito tenho pra falar
Solto a voz nas estradas, já não quero parar
Meu caminho é de pedra, como posso sonhar
Sonho feito de brisa, vento vem terminar
Vou fechar o meu pranto, vou querer me matar
Vou seguindo pela vida me esquecendo de você
Eu não quero mais a morte, tenho muito o que viver
Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer
Já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver
Solto a voz nas estradas, já não quero parar
Meu caminho é de pedra, como posso sonhar
Sonho feito de brisa, vento vem terminar
Vou fechar o meu pranto, vou querer me matar
Vou seguindo pela vida me esquecendo de você
Eu não quero mais a morte, tenho muito o que viver
Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer
Já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver
Apesar da serenidade que o escritor aparentava, o prazer de viver tinha mesmo se esvaído com a ausência de Carolina. Machado morre aos 69 anos, às 3h e 30m da madrugada do dia 29 de setembro de 1908. Decreta-se luto oficial no Rio de Janeiro. Acompanharam o seu enterro figuras conhecidas e do povo, atestando, assim, a fama que havia alcançado um carioca do Morro do Livramento, um morador do bairro Cosme Velho.

Autor de páginas que resistem ao tempo e que nos fazem lembrar que em 12 de janeiro de 1855, em pleno verão carioca, o jornal Marmota Fluminense publicava o poema ELA; a estreia literária de um Machado de Assis romântico, contrastando com o Machado descrente, que escreveria seus futuros romances com a pena da galhofa e a tinta da melancolia.
ELA
Seus olhos que brilham tanto,
Que prendem tão doce encanto,
Que prendem um casto amor
Onde com rara beleza,
Se esmerou a natureza
Com meiguice e com primor

Suas faces purpurinas
De rubras cores divinas
De mago brilho e condão;
Meigas faces que harmonia
Inspira em doce poesia
Ao meu terno coração!

Sua boca meiga e breve,
Onde um sorriso de leve
Com doçura se desliza,
Ornando purpúrea cor,
Celestes lábios de amor
Que com neve se harmoniza.

Com sua boca mimosa
Solta voz harmoniosa
Que inspira ardente paixão,
Dos lábios de Querubim
Eu quisera ouvir um -sim-
P’ra alívio do coração!
Vem, ó anjo de candura,
Fazer a dita, a ventura
De minh’alma, sem vigor;
Donzela, vem dar-lhe alento,
“Dá-lhe um suspiro de amor!”

A esse Machado ardente e ansioso, no nosso tempo, uma homenagem com a música ENQUANTO HOUVER SOL, do Grupo Titãs.
Quando não houver saída
Quando não houver mais solução
Ainda há de haver saída
Nenhuma ideia vale uma vida
Quando não houver esperança
Quando não restar nem ilusão
Ainda há de haver esperança
Em cada um de nós
Algo de uma criança
Enquanto houver sol
Enquanto houver sol
Ainda haverá
Enquanto houver sol
Enquanto houver sol
Quando não houver caminho
Mesmo sem amor, sem direção
A sós ninguém está sozinho
É caminhando
Que se faz o caminho
Quando não houver desejo
Quando não restar nem mesmo dor
Ainda há de haver desejo
Em cada um de nós
Aonde Deus colocou
Enquanto houver sol...
Inútil tentativa de rastrear a biografia de Achado de Assis pelos contos, pois soube manter um distanciamento profundo entre uma coisa e outra: quando escreve, transforma-se em observador atento, sutil.

Quem resume bem essa atitude é Carlos Drummond de Andrade, no poema A um bruxo, com amor, sobre Machado de Assis e sua obra.
Em certa casa da Rua Cosme Velho
(que se abre no vazio)
venho visitar-te; e me recebes
na sala trajestada com simplicidade
onde pensamentos idos e vividos
perdem o amarelo
de novo interrogando o céu e a noite.
Outros leram da vida um capítulo, tu leste o livro inteiro.
Daí esse cansaço nos gestos e, filtrada,
uma luz que não vem de parte alguma
pois todos os castiçais
estão apagados.
Contas a meia voz
maneiras de amar e de compor os ministérios
e deitá-los abaixo, entre malinas
e bruxelas.
Conheces a fundo
a geologia moral dos Lobo Neves
e essa espécie de olhos derramados
que não foram feitos para ciumentos.
E ficas mirando o ratinho meio cadáver
com a polida, minuciosa curiosidade
de quem saboreia por tabela
o prazer de Fortunato, vivisseccionista amador.
Olhas para a guerra, o murro, a facada
como para uma simples quebra da monotonia universal
e tens no rosto antigo
uma expressão a que não acho nome certo
(das sensações do mundo a mais sutil):
volúpia do aborrecimento?
ou, grande lascivo, do nada?
O vento que rola do Silvestre leva o diálogo,
e o mesmo som do relógio, lento, igual e seco,
tal um pigarro que parece vir do tempo da Stoltz e do gabinete Paraná,
mostra que os homens morreram.
A terra está nua deles.
Contudo, em longe recanto,
a ramagem começa a sussurrar alguma coisa
que não se estende logo
a parece a canção das manhãs novas.
Bem a distingo, ronda clara:
É Flora,
com olhos dotados de um mover particular
ente mavioso e pensativo;
Marcela, a rir com expressão cândida (e outra coisa);
Virgília, cujos olhos dão a sensação singular de luz úmida;
Mariana, que os tem redondos e namorados;
e Sancha, de olhos intimativos;
e os grandes, de Capitu, abertos como a vaga do mar lá fora,
o mar que fala a mesma linguagem
obscura e nova de D. Severina
e das chinelinhas de alcova de Conceição.
A todas decifrastes íris e braços
e delas disseste a razão última e refolhada
moça, flor mulher flor
canção de mulher nova…
E ao pé dessa música dissimulas (ou insinuas, quem sabe)
o turvo grunhir dos porcos, troça concentrada e filosófica
entre loucos que riem de ser loucos
e os que vão à Rua da Misericórdia e não a encontram.
O eflúvio da manhã,
quem o pede ao crepúsculo da tarde?
Uma presença, o clarineta,
vai pé ante pé procurar o remédio,
mas haverá remédio para existir
senão existir?
E, para os dias mais ásperos, além
da cocaína moral dos bons livros?
Que crime cometemos além de viver
e porventura o de amar
não se sabe a quem, mas amar?
Todos os cemitérios se parecem,
e não pousas em nenhum deles, mas onde a dúvida
apalpa o mármore da verdade, a descobrir
a fenda necessária;
onde o diabo joga dama com o destino,
estás sempre aí, bruxo alusivo e zombeteiro,
que resolves em mim tantos enigmas.
Um som remoto e brando
rompe em meio a embriões e ruínas,
eternas exéquias e aleluias eternas,
e chega ao despistamento de teu pencenê.
O estribeiro Oblivion
bate à porta e chama ao espetáculo
promovido para divertir o planeta Saturno.
Dás volta à chave,
envolves-te na capa,
e qual novo Ariel, sem mais resposta,
sais pela janela, dissolves-te no ar.

Destaca-se, na obra de Machado de Assis, o conflito entre essência e aparência, isto é, aquilo que o indivíduo realmente é no seu íntimo e aquilo que a sociedade. Com suas regras e convenções, o obriga a aparentar ser. É o grande drama da dissimulação, da hipocrisia, do disfarce. Neste campo, a opinião alheia é considerada de grande importância. Quando este conflito se torna insuportável, o resultado quase sempre é a loucura.
Com esse olhar, Machado contempla a vida e a transforma em arte da melhor qualidade. As suas obras Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891) e Dom Casmurro (1899) representam um mundo que se mostra por dentro e se esconde por fora.
É comum destacar-se na obra machadiana um forte espírito de ceticismo, isto é, de falta de fé nas possibilidades de transformação do homem, de dúvida e de descrença generalizadas, que levam inevitavelmente a um forte pessimismo e a uma visão negativa da natureza humana.

Brás Cubas alerta para que ninguém se fie da felicidade presente; há nela uma gota de baba de Caim. E ainda: Deixa lá dizer pascal que o home é um caniço pensante. Não; é uma errata pensante, isso sim. Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes.
Nas suas memórias, ele também diz que: Somadas umas coisas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve míngua nem sobra, e conseguintemente que sai quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a este outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa de um capítulo de negativas: Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da minha miséria.
Há uma interrogação em Quincas Borba: Nunca viste ferver a água? Hás de lembrar-te de que as bolhas fazem-se e desfazem-se de contínuo, e tudo fica na mesma. Os indivíduos são essas bolhas transitórias.
E há a constatação em Dom Casmurro: Há de dobrar o gozo aos bem-aventurados do céu conhecer a soma dos tormentos que já terão padecido no inferno os seus inimigos; assim também a quantidade de delícias que terão gozado no céu os seus desafetos, aumentará as dores aos condenados do inferno.

Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, o narrador-personagem autodenomina-se um “defunto-autor”, isto é, alguém que conta a sua vida depois da morte. A trajetória do personagem desvela a sociedade mesquinha, os valores burgueses, o complexo ser humano em todas as suas contradições e imperfeições.

Com a palavra, Brás Cubas:
Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a sua morte, não a pôs no introito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco.
Dito isto, expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem anúncios. Acresce que chovia – peneirava - uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e tão triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa ideia no discurso que proferiu à beira de minha cova: – "Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que têm honrado
a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói à natureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado".
Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei. E foi assim que cheguei à cláusula dos meus dias; foi assim que me encaminhei para ao undiscovered country de Hamlet, sem as ânsias nem as dúvidas do moço príncipe, mas pausado e trôpego, como quem se retira tarde do espetáculo. Tarde e aborrecido. AO VERME QUE PRIMEIRO ROEU AS FRIAS CARNES DO MEU CADÁVER, DEDICO COMO SAUDOSA LEMBRANÇA ESTAS MEMÓRIAS PÓSTUMAS.

Machado de Assis é considerado um grande criador de personagens femininas. Suas mulheres são frequentemente misteriosas, enigmáticas, dotadas de grande senso de percepção, capazes de manipular psicologicamente o mais astuto dos homens.

Uma mulher que cativou Brás foi uma dama espanhola. Marcela, a “linda Marcela”, como lhe chamavam os rapazes do tempo. E tinham razão os rapazes. Era filha de um hortelão das Astúrias; disse ela mesma, num dia de sinceridade, porque a opinião aceita é que nascera de um letrado de Madri, vítima da invasão francesa, ferido, encarcerado, espingardeado, quando ela tinha apenas 12 anos. Cosas de España. Quem quer que fosse, porém, o pai, letrado ou hortelão, verdade é que Marcela não possuía a inocência rústica, e mal chegava a entender a moral do código. Embora moça, lépida, sem escrúpulos, um pouco tolhida pela austeridade do tempo, que não lhe permitia arrastar pelas ruas os seus estouvamentos e berlindas; luxuosa, impaciente, amiga do dinheiro e de rapazes. Naquele ano, ela morria de amores por um certo Xavier, sujeito abastado e tísico, uma pérola. Marcela também amou Brás durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos.

Brás Cubas tinha a sua filosofia dos epitáfios. Ele disse que os epitáfios são, entre a gente civilizada, uma expressão daquele pio e secreto egoísmo que induz o homem a arrancar à morte um farrapo ao menos da sombra que passou. Daí, talvez, a tristeza inconsolável dos que sabem os seus mortos na vala comum; parece-lhes que a podridão anônima os alcança a eles mesmos.

No nosso tempo, a filosofia cantada de Epitáfio, sob a ótica dos Titãs.
Devia ter amado mais
Ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais
E até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer
Queria ter aceitado
As pessoas como elas são
Cada um sabe a alegria
E a dor que traz no coração
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar
Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr
Devia ter me importado menos
Com problemas pequenos
Ter morrido de amor
Queria ter aceitado
A vida como ela é
A cada um cabe alegrias
E a tristeza que vier
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar
Devia ter complicado menos
Trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr

Brás Cubas afeiçoou-se à contemplação da injustiça humana, inclinou-se a atenuá-la, a explicá-la, a classificá-la, a entendê-la, não segundo um padrão rígido, mas ao sabor das circunstâncias e lugares. Em um passeio, Brás e seu amigo Quincas Borba assistem a uma briga de cães.
– Uma briga de cães. Facto que aos olhos de um homem vulgar não teria valor. Quincas Borba fez-me parar e observar os cães. Eram dois. Notou que ao pé deles estava um osso, motivo da guerra, e não deixou de chamar a minha atenção para a circunstância de que o osso não tinha carne. Um simples osso nu. Os cães mordiam-se, rosnavam, com furor nos olhos... Quincas Borba meteu a bengala debaixo do braço, e parecia em êxtases.
 – Que belo que isto é! dizia ele de quando em quando.
Quis arrancar-me dali, mas não pude; ele estava arraigado ao chão, e só continuou a andar, quando a briga cessou inteiramente, e um dos cães, mordido e vencido, foi levar a sua fome a outra parte. Notei que ficara sinceramente alegre, posto contivesse a alegria, segundo convinha a um grande filósofo. Fez-me observar a beleza do espetáculo, relembrou o objeto da luta, concluiu que os cães tinham fome; mas a privação do alimento era nada para os efeitos gerais da filosofia. Nem deixou de recordar que em algumas partes do globo o espetáculo é mais grandioso; as criaturas humanas é que disputam aos cães os ossos e outros manjares menos apetecíveis; luta que se complica muito, porque entra em ação a inteligência do homem, com todo o acúmulo de sagacidade que lhe deram os séculos etc.

Ouçamos, agora, a célebre filosofia do Humanitismo, criada pelo personagem Quincas Borba, um filósofo semilouco com o qual o autor visava ironizar as teorias filosóficas em voga na época, em particular o Positivismo e o Determinismo.
Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas, pode determinar a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a supressão de uma é a condição da sobrevivência da outra, e a destruição não atinge o princípio universal e comum. Daí o caráter conservador e benéfico da morte. Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir a outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.

A trajetória de Rubião é a demonstração viva da teoria do Humanitismo, apresentada, inicialmente, nas Memórias Póstumas de Brás Cubas e retomada no romance Quincas Borba.

Um dos elementos que passa do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas para a narrativa de Quincas Borba é o capital; um capital herdado por Quincas Borba (nas Memórias) que, por sua vez, o transfere para Rubião. Um capital impregnado de Humanitismo e que servirá para demonstrar a tal filosofia. Emendando-se os dois romances, temos o ciclo completo desse capital.
Pensemos na trajetória de Quincas e de Rubião: o filósofo surge na condição de mendigo e demente, recebe uma herança que, ao morrer, transfere para Rubião, um professor primário; agora o rico Rubião vai para o Rio de Janeiro e tem seu capital pouco a pouco consumido por aproveitadores até chegar aos seus derradeiros dias, mendigo e doente. Exatamente nas mesmas condições em quem Quincas Borba entrou na história.
Daí a exemplificação que recorre às duas tribos famintas em disputa pelos campos de batas. Ao vencido, ódio ou compaixão, riso ou lágrimas; ao vencedor, as batatas. O homem, lobo do homem.

Machado de Assis descreve loucura como a consequência da inadequação da natureza íntima do indivíduo às exigências da vida em sociedade, esta “segunda natureza”.
O fim de Rubião é trágico: morre louco como morrera também o mesmo Quincas que lhe deixara a herança.

Rubião tinha febre. Comeu pouco e sem vontade. A comadre pediu-lhe contas da vida que passara na Corte, ao que ele respondeu que levaria muito tempo, e só a posteridade a acabaria. Os sobrinhos de seu sobrinho, concluiu ele magnificamente, que hão de ver-me em toda a minha glória. Começou, porém, um resumo. No fim de dez minutos, a comadre não entendia nada, tão desconcertados eram os fatos e os conceitos; mais cinco minutos, entrou a sentir medo. Quando os minutos chegaram a vinte, pediu licença e foi a uma vizinha dizer que Rubião parecia ter virado o juízo. Voltou com ela e um irmão, que se demorou pouco tempo e saiu a espalhar a nova. Vieram vindo outras pessoas, às duas e às quatro, e, antes de uma hora, muita gente espiava da rua.
-Ao vencedor, as batatas! -- bradava Rubião aos curiosos. Aqui estou imperador!
Poucos dias depois morreu... não morreu súdito nem vencido. Antes de principiar a agonia, que foi curta, pôs a coroa na cabeça – uma coroa que não era, ao menos, um chapéu velho ou uma bacia, onde os espectadores palpassem a ilusão. Não, senhor, ele pegou em nada, levantou nada e cingiu nada; só ele via a insígnia imperial, pesada de ouro, rútila de brilhantes e outras pedras preciosas. O esforço que fizera para erguer meio corpo não durou muito; o corpo caiu outra vez; o rosto conservou porventura uma expressão gloriosa.
– Guardem a minha coroa – murmurou. – Ao vencedor...
A cara ficou séria, porque a morte é séria; dois minutos de agonia, um trejeito horrível e estava assinada a abdicação.

Entre loucos que riem de ser loucos, no nosso tempo, está a música Maluco Beleza, de Raul Seixas.
Enquanto você
Se esforça pra ser
Um sujeito normal
E fazer tudo igual
Eu do meu lado
Aprendendo a ser louco
Um maluco total
Na loucura real
Controlando
A minha maluquez
Misturada
Com minha lucidez
Vou ficar
Ficar com certeza
Maluco beleza
Eu vou ficar
Ficar com certeza
Maluco beleza
E esse caminho
Que eu mesmo escolhi
É tão fácil seguir
Por não ter onde ir
Controlando
A minha maluquez
Misturada
Com minha lucidez
Eeeeeeeeuu!
Controlando
A minha maluquez
Misturada
Com minha lucidez
Vou ficar
Ficar com certeza
Maluco beleza...

Crítico, irônico, cético e apaixonado. Era assim o Bruxo do Cosme Velho.

Em Dom Casmurro, o personagem Bentinho relata suas memórias, especialmente, a história de seu relacionamento com Capitu. O tema explorado na obra é o adultério, que Bentinho acredita ter sido cometido por Capitu. Entretanto, é por meio do discurso desse narrador que se conhecem os fatos e os personagens. Assim, a narrativa não dá resposta para a principal dúvida de Bentinho: Capitu foi ou não infiel? É essa, inclusive, a questão que muitos leitores procuram responder com teses e mais teses.

No capítulo 32, Bentinho relata um episódio de seu namoro com Capitu. Prestes a ser mandado para o seminário por sua mãe, Bentinho pede a José Dias, um agregado que mora em sua casa, que interceda por ele e convença a mãe a não fazer isso.
Eis o encontro de Bentinho com Capitu, logo depois de sua conversa com José Dias:

Olhos de ressaca

Tudo era matéria às curiosidades de Capitu. Caso houve, porém, no qual não sei se aprendeu ou ensinou, ou se fez ambas as cousas, como eu. É o que contarei no outro Capítulo. Neste direi somente que, passados alguns dias do ajuste com o agregado, fui ver a minha amiga; eram dez horas da manhã. D. Fortunata, que estava no quintal nem esperou que eu lhe perguntasse pela filha.
 – Está na sala penteando o cabelo, disse-me; vá devagarzinho para lhe pregar um susto.
Fui devagar, mas ou o pé ou o espelho traiu-me. Este pode ser que não fosse; era um espelhinho de pataca (perdoai a barateza), comprado a um mascate italiano, moldura tosca, argolinha de latão, pendente da parede, entre as duas janelas. Se não foi ele, foi o pé. Um ou outro, a verdade é que, apenas entrei na sala, pente, cabelos, toda ela voou pelos ares, e só lhe ouvi esta pergunta:
– Há alguma cousa?
– Não há nada, respondi; vim ver você antes que o Padre Cabral chegue para a lição. Como passou a noite?
– Eu bem. José Dias ainda não falou?
– Parece que não.
– Mas então quando fala?
– Disse-me que hoje ou amanhã pretende tocar no assunto; não vai logo de pancada, falará assim por alto e por longe, um toque. Depois, entrará em matéria. Quer primeiro ver se mamãe tem a resolução feita...
– Que tem, tem, interrompeu Capitu. E se não fosse preciso alguém para vencer já, e de todo, não se lhe falaria. Eu já nem sei se José Dias poderá influir tanto; acho que fará tudo, se sentir que você realmente não quer ser padre, mas poderá alcançar?... Ele é atendido; se, porém... É um inferno isto! Você teime com ele, Bentinho.
– Teimo- hoje mesmo ele há de falar.
 – Você jura?
 – Juro. Deixe ver os olhos, Capitu.
Tinha-me lembrado a definição que José Dias dera deles, "olhos de cigana oblíqua e dissimulada." Eu não sabia o que era obliqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se podiam chamar assim. Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os vira, eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas. A demora da contemplação creio que lhe deu outra ideia do meu intento; imaginou que era um pretexto para mirá-los mais de perto, com os meus olhos longos, constantes, enfiados neles, e a isto atribuo que entrassem a ficar crescidos, crescidos e sombrios, com tal expressão que...
Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá ideia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros, mas tão depressa buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura, ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me. Quantos minutos gastamos naquele jogo? Só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve. A eternidade tem as suas pêndulas; nem por não acabar nunca deixa de querer saber a duração das felicidades e dos suplícios. Há de dobrar o gozo aos bem-aventurados do céu conhecer a soma dos tormentos que já terão padecido no inferno os seus inimigos; assim também a quantidade das delícias que terão gozado no céu os seus desafetos aumentará as dores aos condenados do inferno. Este outro suplício escapou ao divino Dane; mas eu não estou aqui para emendar poetas. Estou para contar que, ao cabo de um tempo não marcado, agarrei-me definitivamente aos cabelos de Capitou, mas então com as mãos, e disse-lhe, – para dizer alguma cousa, – que era capaz de os pentear, se quisesse.
– Você?
 – Eu mesmo.
 – Vai embaraçar-me o cabelo todo, isso sim.
 – Se embaraçar, você desembaraça depois.
– Vamos ver.

O casamento realizou-se pela vontade de ambos. O casal levava uma vida tranquila, dentro de um esquema burguês. Bentinho tinha um colega dos tempos de seminário, Escobar, que se tornou seu amigo íntimo, tendo se casado com uma companheira de Capitu, Sancha. Os quatro formavam dois pares ideais. Capitu e Bentinho têm um único filho – Ezequiel. Um dia, Escobar morre afogado na Baía do Flamengo... E, no velório, o olhar de Capitu diante do cadáver do amigo desperta suspeitas em Bentinho.  

Enfim, chegou a hora da encomendação e da partida. Sancha quis despedir-se do marido, e o desespero daquele lance consternou a todos. Muitos homens choravam também, as mulheres todas. Só Capitu, amparando a viúva, parecia vencer-se a si mesma. Consolava a outra, queria arrancá-la dali. A confusão era geral. No meio dela, Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas...
As minhas cessaram logo. Fiquei a ver as dela; Capitu enxugou-as depressa, olhando a furto para a gente que estava na sala. Redobrou de carícias para a amiga, e quis levá-la; mas o cadáver parece que a retinha também. Momento houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também o nadador da manhã.

Certo. É a voz de Bentinho. Não podia ser diferente numa história contada em 1ª pessoa. E que pessoa é esta? Um Otelo possesso na cólera que espuma – ver o lenço e afogar Desdêmona, obra de um instante? Não é um Otelo, eis o nosso herói: uma doce pessoinha. Esse manso viúvo Dom Casmurro, quatro decênios idos e vividos, a evocar piedoso, confiável, sereníssimo:
– A minha primeira amiga e o meu maior amigo... que acabassem juntando-se e enganando-me...

DOM CASMURRO: O OTELO BRASILEIRO DE MACHADO DE ASSIS
Foi só Machado de Assis publicar seu Dom Casmurro, em 1899, que a personagem Capitu passou a viver uma das grandes perseguições literárias das que se tem notícia no Brasil. Traidora. Dissimulada. Rameira. Enganou o marido, Bentinho, justo com o amigo dele, Escobar. O “joga pedra na Capitu” continuou por longas décadas. Até que a morena dos olhos de ressaca encontrou uma advogada que aparece no livro O Otelo brasileiro de Machado de Assis.

A californiana Helen Caldwell fez um importante “espera aí” nessa história: como seria possível cravar que houve adultério se apenas uma das partes, o casmurro Bentinho, relatara o caso? Ela se permite reabrir o caso. O trabalho dessa ensaísta não fica restrito às especulações sobre as alcovas de Bentinho e Capitu. Otelo é o personagem de Shakespeare, e é a influência do bardo no Bruxo do Cosme Velho, um dos pontos de partida da obra O Otelo brasileiro. Otelo teria aparecido no argumento de 28 narrativas, peças e artigos de Machado. E a estrutura clássica do triângulo de enciumados Iago, Desdêmona e Otelo daria a moldura de Ressurreição – primeiro romance do carioca, feito 28 anos antes de Dom Casmurro.
A técnica de estudo de Helen Caldwell incide sobre a natureza do ciúme que impregna o enunciado de Bentinho. Há um capítulo que desencadeia o paralelo. Um lenço bastou para acender os ciúmes de Otelo e compor a mais sublime tragédia deste mundo. As ideias passavam pela cabeça de Bentinho à medida que assistia à cena teatral em que o mouro rolava convulso, e Iago destinava a sua calúnia. O último ato mostrou a Bentinho que não ele, mas Capitu devia morrer. Ouviu as súplicas de Desdêmona, as suas palavras amorosas e puras, e a fúria de Otelo, e a morte que este lhe deu entre aplausos frenéticos do público.
– E era inocente, vinha dizendo Bentinho rua abaixo; – que faria o público se ela deveras fosse culpada como Capitu?
Porventura não seria mais coerente perguntar: e se Capitu fosse inocente, tão inocente quanto Desdêmona?

– Você pode julgar uma pessoa pela opinião sobre Capitu. Acha que é sempre fiel? Desista, ô patusco: sem intuição literária. Entre o ciúme e a traição da infância, da inocência, do amor puro, ainda se fia que o Bruxo do Cosme Velho escolhesse o efeito menor? Pô, igual ao grandíssimo tema romanesco de então, as fabulosas Emma Bovary e Ana Karenina. A um pessimista, viciado no Eclesiastes, toda mulher (“mais amarga do que a morte”) não é coração enganoso e perverso, nó cego de “redes e laços”?
Inocentar Capitu é fazê-la uma pobre criatura. Privá-la do seu crime, assim a perfídia não fosse própria das culpadas? Já sem mistério, sem fascínio, sem grandeza. Morreu Escobar não das ondas do Flamengo e sim dos olhos de cigana oblíquos e dissimulados. Por que os olhos de ressaca, me diga, senão para você neles se afogar?
Deixamos aos leitores em desafio: leiam Dom Casmurro e separem em dois blocos: “indícios da culpa” e “indícios da inocência” de Capitu.
Eu pergunto: quem é que pode dizer quais são as forças que movem cada personagem, o que cada um deles deseja? Para um bom escritor, um personagem não espirra em vão, na página seguinte tosse com pneumonia. Se pendura na parede uma espingarda, por força há que disparar...

No nosso tempo, fazemos uma analogia da argúcia feminina das personagens machadianas com a música Dona, do grupo Roupa Nova.
Dona desses traiçoeiros
Sonhos sempre verdadeiros
Oh! Dona desses animais
Dona dos seus ideais
Pelas ruas onde andas
Onde mandas todos nós
Somos sempre mensageiros
Esperando tua voz
Teus desejos, uma ordem
Nada é nunca, nunca é não
Porque tens essa certeza
Dentro do teu coração
Tan, tan, tan, batem na porta
Não precisa ver quem é
Pra sentir a impaciência
Do teu pulso de mulher
Um olhar me atira à cama
Um beijo me faz amar
Não levanto, não me escondo
Porque sei que és minha
Dona!
Dona desses traiçoeiros
Sonhos sempre verdadeiros
Oh! Dona desses animais
Dona dos seus ideais
Não há pedra em teu caminho
Não há ondas no teu mar
Não há vento ou tempestade
Que te impeçam de voar
Entre a cobra e o passarinho
Entre a pomba e o gavião
Ou teu ódio ou teu carinho
Nos carregam pela mão
É a moça da Cantiga
A mulher da Criação
Umas vezes nossa amiga
Outras, nossa perdição
O poder que nos levanta
A força, que nos faz cair
Qual de nós ainda não sabe
Que isso tudo te faz
Dona! Dona!

FREUD EXPLICA MACHADO
Em 2001, o psicanalista Luís Alberto Pinheiro de Freitas publicou um livro em que defende uma outra teoria sobre o romance Dom Casmurro.

Que Capitu, que nada. Bentinho sentia mesmo atração era pelo pretenso rival, Escobar. Daí seus ciúmes paranoicos da mulher, a de olhos de ressaca, de cigana oblíqua e dissimulada. Capitu, afinal, inocentada da acusação de ser infiel ao marido, é apenas “a que ama no lugar do outro”. A homossexualidade enrustida do personagem principal e narrador Dom Casmurro é defendido em “Freud e Machado de Assis”, um estudo dos personagens do escritor brasileiro à luz das teorias do “Pai” da Psicanálise.
No divã, Bentinho, homem fraco, dominado pela mulher e pela mãe, não resiste em dar sinais claros de uma sexualidade mal resolvida. Segundo o psicanalista, é Freud quem aponta para este tipo de pessoa que o Machado percebeu, que tem uma paixão homossexual pelo outro, mas diz que é a mulher que tem. Assegura que não é invenção. É Machado quem insinua isso em vários momentos do livro.
Para exemplificar, convém reproduzir o trecho em que Bentinho e Escobar, a quem acusaria de ser amante de sua mulher, encontram-se no seminário: Fiquei tão entusiasmado com a felicidade mental do meu amigo, que não pude deixar de abraça-lo. Era no pátio; outros seminaristas notaram a nossa efusão; um padre que estava com eles não gostou.
Machado de Assis escreveu o texto com a possibilidade de leitura do subtexto.

OPINIÕES
Nem Machado de Assis, na sua condição de um dos maiores escritores brasileiros, escapou da acidez da crítica de seu tempo. Eis a opinião do crítico literário Sílvio Romero:
Esse romântico em desmantelo, esse pequeno representante do pensamento retórico e velho no Brasil, é hoje, o mais pernicioso enganador, que vai pervertendo a mocidade. Essa sereia matreira deve ser abandonada... O autor de “Brás Cubas”, bolorento pastel literário, assaz o conhecemos por suas obras, ele está julgado.

Já Caetano Veloso, no nosso tempo, quando interrogado sobre Machado de Assis, falou:
Que posso dizer? É um dos melhores escritores que já li. Ele é como João Gilberto. Tão grande e tão concentrado (e tão “clássico” sem ter aberto mão do escândalo estético) que dá a impressão de estar sozinho.

Nós dizemos que a posição de Machado de Assis na literatura brasileira é a de renovador – um abridor de caminhos. As suas narrativas revelam o universo dos temas que lhe interessavam: a loucura, a alma feminina, a vaidade, a sedução, o casamento, o adultério. Foi um escritor peculiar, de estilo bem marcado.
A primeira preocupação do leitor deve ser a advertência feita pelo autor numa crônica: Eu gosto de catar o mínimo e o escondido. Onde ninguém mete o nariz, aí entra o meu, com a curiosidade estreita e aguda que descobre o encoberto. Eis aí o primeiro desafio de sua esfinge: a sutileza.

O essencial em Machado de Assis reside no detalhe, o que exige uma leitura atenta, minuciosa, que não se deixa levar pela aparente casualidade com que ele coloca os fatos. Estes, por mínimos que sejam, guardam uma chave com que o leitor poderá desvendar o que é fundamental para a compreensão de seu trabalho. Não poderia ser de outro modo o jeito de ser do Bruxo do Cosme Velho.

Na inspiração do nosso tempo, Chico Buarque compõe Rosa dos ventos e nos fala de um norte. E assim como o Bruxo do Cosme Velho, Chico faz sua história.
E do amor gritou-se o escândalo
Do medo criou-se o trágico
No rosto pintou-se o pálido
E não rolou uma lágrima
Nem uma lástima para socorrer
E na gente deu o hábito
De caminhar pelas trevas
De murmurar entre as pregas
De tirar leite das pedras
De ver o tempo correr
Mas sob o sono dos séculos
Amanheceu o espetáculo
Como uma chuva de pétalas
Como se o céu vendo as penas
Morresse de pena
E chovesse o perdão
E a prudência dos sábios
Nem ousou conter nos lábios
O sorriso e a paixão
Pois transbordando de flores
A calma dos lagos zangou-se
A rosa-dos-ventos danou-se
O leito do rio fartou-se
E inundou de água doce
A amargura do mar
Numa enchente amazônica
Numa explosão atlântica
E a multidão vendo em pânico
E a multidão vendo atônita
Ainda que tarde
O seu despertar

AGRADECIMENTOS/ENCERRAMENTO
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V Recital – Composição:
Professoras: Vastí Marques e Eliene Gomes
Educandos: Ana Gabriela, Hugo Fernandes, Djenane Silvestre, Misma Naama, Dalila Monteiro, Jéssica Leão, Erilene Fernandes, Nahara Paiva, Ana Gabriela, Denice Lopes e Francisco Fernandes (voz e violão), Cristiana Rodrigues, Moisés Carlos Rômulo Magnus, R%aphaela Izabel e Maria Rosilene.
Participações especiais: Fábio Henrique e Raphaella Dandara
Data: 12 de novembro de 2004/Horário: a partir das 19 h

Local: Auditório do Educandário Imaculada Conceição

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