domingo, 8 de março de 2015

Os Mistérios de Elêusis

Feliz é o mortal que presenciou os Mistérios Eleusínios. Abençoados são seus olhos que os viram, pois após a morte a jornada da sua alma será diferente daqueles que não foram iniciados.
Homero

Os Mistérios Eleusínios constituem o segredo mais bem guardado do mundo antigo. Originários de Creta como um festival de outono dedicado à deusa Deméter e reservado somente às mulheres, eles foram expandidos e abertos a todas as pessoas se fossem adultas, falassem grego e não tivessem cometido nenhum crime. Iniciados na metade do segundo milênio a.C., os Mistérios Eleusínios perduraram por quase dois milênios sem que ninguém revelasse nada a respeito dos rituais e das iniciações. O pouco que se sabe foi divulgado pelos comentários literários, pelas referências históricas ou nas difamações cristãs sobre as práticas pagãs.
A palavra Eleusis simbolizava “O lugar da chegada feliz” e deu origem ao termo “Campos Elísios”, sinônimo do paraíso pré-helênico. A palavra Mistério tem como raiz a palavra mueín, que significa “fechar”, tanto os olhos quanto a boca, ressaltando a obrigatoriedade do segredo e do isolamento durante a iniciação.
Os candidatos deveriam submeter-se a uma iniciação durante os Mistérios Menores, realizados na proximidade do equinócio da primavera, para poder participar dos Mistérios Maiores, realizados na proximidade do equinócio de outono. Desconhece-se a verdade sobre esta iniciação, sabendo-se apenas que incluía testes de coragem e práticas ascetas.
Os Mistérios Maiores eram celebrados a cada cinco anos e tinham duração de nove dias. Os candidatos chegavam a Atenas vindos de todas as partes do mundo helênico e romano. No primeiro dia, reuniam-se para atender às chamadas dos sacerdotes e receber suas instruções. No segundo dia, purificavam-se mergulhando no mar e fazendo as primeiras oferendas (leitões). O terceiro dia era dedicado às cerimônias e oferendas oficiais em benefício da cidade de Atenas e do povo grego. No quarto dia, conhecido como Asklepia, novas purificações eram feitas em homenagem a Asclépio, o deus da cura. No quinto dia, dava-se início à procissão que percorria os 32 km que separavam as cidades de Elêusis e Atenas. As sacerdotisas carregavam os objetos sacros, purificados no mar, em grandes cestos chamados Kista. Os iniciados vestiam túnicas brancas e cantavam, dançavam e invocavam as divindades, cujas estátuas eram levadas em carruagens.
Nos limites da cidade de Elêusis, figuras mascaradas encenavam parte do mito de Deméter expondo, por meio de sátiras e deboches, os vícios, erros e defeitos humanos. Dessa forma, esperava-se que os velhos Eus morressem e dessem lugar à renovação. Ao cair da noite, o jejum de três dias terminava e havia uma grande festa do lado de fora do Santuário. O sexto dia era reservado ao descanso, à purificação, ao jejum, à introspecção e ao silêncio.
Quando as primeiras estrelas apareciam no céu, os iniciados tomavam o Kyklon, bebida sagrada preparada com centeio fermentado e hortelã, e entravam no santuário de Telesterion. Desconhecem-se os rituais ali praticados. Sabe-se somente que havia três estágios: a iniciação, em uma gruta subterrânea, em que os iniciados passavam por provas e testes; a morte simbólica, em que os iniciados “renasciam”, sem mais temer o fim da vida física por terem “visto” a continuidade de jornada da alma; e a encenação do mito de Deméter e Perséfone. Nesse momento, reproduzia-se a busca de Deméter por sua filha Perséfone, raptada por Hades, deus do mundo subterrâneo, festejando-se, ao fim, sua volta à vida na Terra, após os rigores do inverno simbolizando sua ausência.
O fim das celebrações era marcado pelo sacrifício de animais, celebrando com danças e cantos o último gesto ritualístico dos sacerdotes: o derramamento de água sobre o chão, invocando a chuva para conceber a vida na Terra. Esse ato simbólico revelava o profundo simbolismo dos Mistérios de Elêusis – o casamento sagrado da chuva celeste com a terra fértil e receptiva para conceber o filho, representado nos grãos dos cereais. Para os iniciados, que viviam da terra e de seus ciclos e estações, os Mistérios representavam a confirmação sagrada de que a morte era seguida do renascimento, assim como a vegetação morria no outono e renascia na primavera, acordando de um sono profundo, por vezes comparado à própria morte.
Adaptando o mito de Deméter e Perséfone à nossa realidade, podemos melhor compreender a necessidade dos rituais de iniciação. Ao proporcionarem a visão dos medos, limitações e defeitos que restringem a evolução de nossa alma, os rituais apontam para a possibilidade de uma morte egoica que levará a uma renovação transcendental. As mulheres podem encontrar no mito de Perséfone um exemplo de coragem para descer ao mundo subterrâneo de seu inconsciente, atravessar as sombras e emergir para a luz.

Mirella Faur

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