São centenas, talvez
milhares os catadores de papel nessa megalópole. Puxam ou empurram carroças e catam
objetos no lixo ou nas calçadas. É um museu de tralhas variadas: restos de
materiais para construção,
papel, caixas de
papelão, embalagens de inúmeros produtos, e até mesmo objetos decorativos,
alguns belos e antigos, desprezados por algum herdeiro.
Há carroças exóticas,
pintadas com desenhos de figuras pop, seres mitológicos, nuvens, pássaros e
vampiros. Em Santana, vi uma carroça que lembrava um jinriquixá, só que maior
do que o veículo asiático.
Era puxada por um
velho e transportava uma avó e seu netinho, sentados em pilhas de papel.
Perguntei ao carroceiro quanto ele cobrava pelo transporte de passageiros.
“Depende... Pra perto
daqui, cinco reais. Pra fora do bairro, cobro 15 ou 12, depende do passageiro e
do dia. Não gasto gasolina, nem nada, é só força mesmo, amigo.”
E haja força, leitor.
Mas esse meio de transporte é raro na metrópole. Quase todas as carroças só
carregam quinquilharias, uma e outra exibem aforismos, poemas, ditados. Vi
carroças líricas, políticas, filosóficas, cômicas, moralistas, anarquistas.
Numa delas se lia: “A verdade é uma desordem... Alguém tem dúvida?”.
Noutra, pintada de
verde e amarelo: “Aqui só carrego bagunça, mas sou homem de paz”. A que mais me
chamou atenção foi uma carroça linda, com uma pintura geométrica que lembra um
quadro de Mondrian. Na lateral, estava escrito:
“Carrego todo tipo de
tralha, e carrego um sonho dentro de mim”.
Era uma carroça
mineira, pois ostentava uma bandeira de Minas.
Conversei um pouco
com esse carroceiro de São João del-Rei. Acho
que perdeu a
desconfiança nas ruas paulistanas, pois não se esquivou
de mim, e ainda me
mostrou uma luminária de aço, fabricada em
Manchester (1946).
Esse objeto havia sido abandonado numa caixa
de papelão e
recolhido pelo caprichoso carroceiro de Minas.
Especulei a origem da
luminária e me indaguei: quantas páginas esse belo objeto tinha iluminado em
noites do pós-guerra?
Depois o carroceiro
abriu uma caixa e me mostrou livros velhos, em língua alemã. Disse que tinha
encontrado tudo numa mesma calçada do Jardim Europa, e agora ia vender os
livros para um sebo.
Ele me olhou e
acrescentou:
“Ando solto, não
gosto de ser botado preso dentro de curral. A gente
encontra cada coisa
por aí... Só não encontra o que a gente sonha”.
Comprei a luminária
desse filósofo ambulante, mas não me interessei pelos livros, que talvez sejam
relidos por algum germanófilo de São Paulo.
Sei que não é fácil
encontrar um sonho nas ruas; mas encontrei
carroceiros
simpáticos e um assunto para escrever esta crônica.
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